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Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Hipervalorização da performance sexual atrapalha a satisfação conjugal

Casais podem estar deixando de ver o que é realmente prioritário para a felicidade

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Um estudo da Sociedade Internacional de Medicina Sexual concluiu que 35% dos casais têm, em média, entre uma e três relações por mês. E que cerca de 5% das pessoas com parceiro não ultrapassavam um ou dois encontros sexuais por ano. Outro estudo, publicado na revista Psychology Today, mostrou que, nos Estados Unidos, entre 14% e 15% dos casais fazem sexo com pouca frequência.

Como mostram inúmeras pesquisas, a dimensão sexual na relação conjugal se transformou ao longo do tempo: saiu de um lugar de muita relevância para um lugar bem menos central nos dias de hoje.

Quando comecei minhas pesquisas sobre amor, sexo e traição, em 1988, que resultou no livro "A Outra: um estudo antropológico sobre a identidade da amante do homem casado", a satisfação sexual era uma questão central para os casais que pesquisei.

No início das minhas pesquisas, muitos homens reclamavam que as esposas não queriam fazer sexo e que elas davam desculpas esfarrapadas, como TPM, exaustão ou dor de cabeça quando não queriam transar. Assim, alguns justificaram o fato de terem amantes.

Hoje, nas minhas pesquisas, quem mais reclama de falta de sexo, ou que a relação sexual não é satisfatória, são as mulheres. Muitas estão preferindo vibradores, amantes virtuais e até mesmo encontrar alguém em sites de traição. Elas não querem se separar dos maridos, mas a falta de sexo no casamento provoca uma profunda insegurança e desconfiança. Como ele pode viver sem fazer sexo comigo? Será que ele tem uma amante? Será que irá me abandonar? Será que não sou mais atraente?

A falta de interesse pela prática sexual se agravou ainda mais com a pandemia de Covid. O pânico de morrer, as perdas financeiras, o desemprego, o trabalho remoto, os conflitos familiares, os problemas com os filhos, as questões de saúde e as doenças de pessoas queridas prejudicaram, e muito, a vida amorosa e sexual dos casais que estou pesquisando atualmente.

Para um professor de 54 anos, existem muitos outros prazeres no casamento além do sexo. Ele acredita que a hipervalorização do sexo acaba impedindo que muitos casais enxerguem o que é realmente prioritário para a felicidade conjugal.

"Muitos amigos se separaram durante a pandemia porque não aguentaram conviver 24 horas por dia com tantas brigas, conflitos e desentendimentos. Nossa relação, mesmo sem sexo, só melhorou. O casal que passou por tudo isso e continua junto não vai se separar nunca mais. Eu fiquei doente e ela cuidou de mim. Ela ficou doente e eu cuidei dela. Nós dois cuidamos muito um do outro, com muito carinho e atenção. Lógico que temos briguinhas bobas e outras mais sérias, porque estamos exaustos e estressados com questões de trabalho, mas estamos conseguindo superar juntos cada obstáculo, com muita conversa. Ela tem medo que eu me apaixone por outra mulher, pois existe o mito de que homem não vive sem sexo."

Na minha pesquisa atual, homens e mulheres de mais de 50 anos afirmaram que as exigências profissionais cresceram de tal maneira, provocando tanto estresse, preocupação, esgotamento e exaustão, que impactaram negativamente o desejo sexual. Uma psicóloga, de 65 anos, afirmou que muitos casais se separam por não conseguirem compreender as reais necessidades do parceiro que, na sua maioria, não têm relação com o sexo.

"Hoje, muita energia do casal está direcionada ao exercício da profissão, ao sucesso profissional, ao ganho financeiro. Alguns casais que eu atendo trabalham 16 horas por dia, até mesmo nos finais de semana. É uma coisa absurda. A energia voltada para o trabalho é gasta de uma maneira excessiva, o estresse do exercício profissional deixa os casais extenuados e exauridos. É uma possível explicação para esse desinteresse e falta de entusiasmo para a prática sexual".

Mais do que o fim do sexo, acredito que estamos testemunhando o questionamento da hipervalorização do sexo, o que tem provocado uma profunda crise e transformação dos valores dos casamentos contemporâneos. Daí a ambiguidade que tenho encontrado nos casais que estou pesquisando: eles parecem cada vez menos interessados em sexo, mas, no entanto, continuam sofrendo com a falta de sexo. É ou não é um paradoxo intrigante?

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