Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Velhos são assexuados?

Por que cresce o número de brasileiros de mais de 60 anos portadores de HIV e DSTs

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"Que absurdo! Você não confia em mim?"

Foi assim que reagiu um homem de 40 anos que conheci em uma festa de amigos quando pedi para ele usar preservativo na nossa primeira transa.

"Não é questão de confiar ou não", respondi. "É para me proteger de ter alguma doença sexualmente transmissível".

Ele continuou resistindo.

"Mas eu só namorei garotas legais, não sou um galinha. Pode ficar tranquila." Fui mais firme ainda. Disse que, caso ele não usasse o preservativo, eu só transaria se ele fizesse o exame de sangue para provar que não tinha nada.

Apesar de contrariado, ele acabou fazendo o exame. E, com o resultado na mão, transamos pela primeira vez. Ficamos juntos durante 15 anos e só me separei quando descobri que ele transava com "garotas de programa, porque elas são mais leves, divertidas e não me enchem o saco".

Depois da separação, ele me contou que estava com hepatite C e que, apesar da doença, que pode ser transmitida sexualmente, nunca usou preservativo.

Em 2017, fiz uma pesquisa com mil mulheres e homens, de 18 a 35 anos, sobre o uso de preservativos. Um dos dados que mais me impressionaram é que as jovens tinham vergonha de comprar o preservativo com medo de serem acusadas de promíscuas e galinhas. E 63% das mulheres já tinham transado sem camisinha por terem sido pressionadas pelos parceiros e por medo de perderem o namorado ou o marido.

Lembrei-me da minha pesquisa, porque tenho entrevistado mulheres de mais de 60, 70 e até mesmo de 80 anos que estão começando novos relacionamentos após se separarem ou ficarem viúvas. Os aplicativos de relacionamento —especialmente aqueles para quem tem mais de 60— facilitaram as novas experiências.

"Velhos ainda querem trepar?", perguntou indignada a filha de uma professora de 72 anos que entrou em um aplicativo de relacionamento.

"Minha filha me xingou de velha tarada porque estou namorando e ganhei de presente do namorado um vibrador. Eu quero namorar, gozar a vida, ter uma companhia, ter com quem conversar, viajar, ir ao cinema e teatro. Meu maior medo é pegar alguma doença, porque meu namorado não quer usar camisinha."

Com medo de ser considerada uma "velha tarada e promíscua", ela confessou que tem vergonha de comprar o preservativo.

"Só tive um homem na minha, meu ex-marido, e ele nunca usou camisinha. Como vou exigir que meu namorado use? Eu até entendo, ele é um homem de 75 anos, não foi acostumado a usar camisinha e acha que vai brochar na hora do rala e rola. Tenho medo de perder o namorado se insistir demais."

Em 2011, 360 brasileiros com mais de 60 anos testaram positivo para o HIV. Em 2021, de acordo com o Ministério de Saúde, foram 1.517 diagnósticos de HIV em pessoas de mais de 60 anos. Esse número é quatro vezes maior do que há 10 anos, e o grupo de pessoas 60+ representa 3,7% dos testes positivos para o vírus.

Um dos motivos apontados para o aumento do número de brasileiros de mais de 60 anos portadores do vírus do HIV é que os homens mais velhos passaram a tomar remédios contra a disfunção erétil, como Viagra e Cialis, passando a ter uma vida sexual mais ativa e diversificada.

Muitas mulheres casadas têm sido infectadas pelos próprios maridos, que tiveram uma relação extraconjugal e trouxeram o vírus para casa.

Infelizmente, existe uma ausência de políticas voltadas para a saúde sexual das pessoas 60+ e esse tema ainda é um tabu dentro dos consultórios, como se os mais velhos fossem assexuados, descartáveis e invisíveis.

Em 2020, aos 72 anos, Rita Lee afirmou que "velho não quer trepar". Ela, que "trepou a vida inteira", descobriu novos prazeres na maturidade: ler, escrever, meditar, aprender coisas novas, pintar, lavar louça, arrumar a cama e outras tarefas que considerava fantásticas. "E hoje estou aqui, velha e dona de casa, já que fazer sexo e usar drogas não me interessam mais." A roqueira mais famosa do Brasil disse que "já transei para caramba e, agora, tenho mais tesão na alma".

No entanto, como minhas pesquisas mostram, muitos homens e mulheres de mais idade não se aposentaram do sexo e "ainda" querem trepar. Mas precisam, mais do que nunca, perder a vergonha de cuidar da própria saúde.

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