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'Absurdo, absurdo!', dizia Maradona ao meu lado quando Dilma foi vaiada no Itaquerão

Argentino ficou perplexo com palavrões na abertura da Copa de 2014 e torceu para o Brasil

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Foi um dia histórico sob muitos aspectos: abertura da Copa do Mundo no Brasil, vaia grosseira à então presidente Dilma Rousseff, prenunciando o impeachment que estava por vir, jogo suado da seleção brasileira contra a Croácia, a mesma que um mês depois tomaria a surra de 7 a 1 contra a Alemanha. Abertura para valer do Itaquerão corintiano, que até então tinha sediado apenas uma partida.

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Naquele 12 de junho de 2014, me sentei ao lado de Diego Maradona em um dos camarotes da arena. Ele tinha se perdido no estádio, não encontrava o lugar em que deveria se sentar. Eu o vi nos corredores da arena e saí correndo atrás dele. De repente, um camarote se abriu para recebê-lo. Eu entrei junto, no meio da confusão.

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Maradona se sentou, e eu me acomodei a seu lado. E comecei a puxar conversa. Abaixo, o relato daquela tarde inesquecível:

A jornalista da Folha Mônica Bergamo e o jogador de futebol Diego Armando Maradona - Acervo pessoal

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"É uma vergonha. Eu não vou assistir a mais nenhuma partida nos estádios. Eu vou ver no hotel, pela televisão", dizia Diego Maradona à equipe que o acompanhava no Itaquerão, anteontem, na abertura do Mundial.

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A coluna acompanhou toda a partida ao lado do craque argentino. Maradona estava irritado porque não tinha conseguido achar o lugar reservado a ele na arena. Ficou perdido. Cercado por torcedores brasileiros, foi salvo do tumulto por Ana Palenga, da empresa Alufer, que construiu toda a estrutura metálica da cobertura do Itaquerão. Levado ao camarote em que ela estava, Maradona tentava se acalmar para ver o jogo.

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"Brasil, claro!", responde ele sobre a seleção que contaria com sua torcida. E, contando nos dedos cada um dos gols que os brasileiros e os croatas fariam, deu o palpite certeiro: "Três a um".

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A partida começa. Maradona, mãos nos joelhos e de óculos escuros, só tem olhos para o jogo. De repente... gol da Croácia! Ele se assusta. Fica em dúvida. "Gol?" Olha para o telão. Confirmado: 1 a 0 contra o Brasil. O craque fecha ainda mais a cara —ele não é exatamente um senhor simpatia, como notam todos os que estão no camarote.

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"E, gente, ele é pé-frio. Vou ficar longe", observa um dos convidados da Alufer. "It's time to go [é hora de ir embora]", diz outro. Por superstição, todos começam a se afastar do ex-jogador. As poltronas à esquerda dele ficam vazias.

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O Brasil começa a atacar. Num quase gol, o argentino aplaude. Depois, com as mãos, faz o gesto de que a seleção está num vaivém, sem resultados. Mas logo Neymar coloca a bola na rede adversária. Maradona levanta, aplaude. Sem muita euforia.

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E chega o intervalo.

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"Eu não gostei do Brasil", diz Maradona. "Não gostei da defesa. O ataque está bom. A bola sempre passa pelo Neymar. E isso é bom."

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Ele diz que as seleções, em regra, nunca vão bem nas primeiras partidas que disputam numa Copa. "É sempre muito difícil. O primeiro jogo é um choque grande na cabeça dos jogadores", afirma --ele disputou quatro mundiais.

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Os anfitriões oferecem a Maradona cerveja, vinho branco, espumante. Ele recusa. Aceita só salgadinhos.

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Maradona não entende direito as agressões dirigidas à presidente Dilma Rousseff. A coluna traduz os xingamentos para o espanhol. "Absurdo, absurdo!", diz ele. O argentino é simpatizante dos governos de esquerda da América Latina. Foi amigo de Hugo Chávez, ex-presidente da Venezuela. "Não há outro Chávez, assim como não há outro Fidel Castro [de Cuba] ou outro Lula", afirma.

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A partida recomeça. O juiz marca o pênalti a favor do Brasil. Na hora, Maradona não notou que haveria dúvidas. E comemorou mais um gol do Brasil. Com discrição.

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"Você não se emociona? Você não lembra de quando estava lá? Você era um ídolo para nós!", diz Luana Palenga. "Obrigado", agradece Maradona. Mais um gol. Mais uma comemoração discreta.

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Faltam dez minutos para o fim da partida. Agora, sim, é hora de ir embora. Maradona se despede, cumprimentando cada um. Sai com o passo apressado para evitar o assédio dos fãs brasileiros.

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