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Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de “Pensar Nagô” e “Fascismo da Cor”

A 'fulanização' da política

Esquema não é imune a problemas na continuidade

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"Fulanização da política" não pertence ao léxico acadêmico, mas já pontuou comentário jornalístico.

Fulano é palavra de origem árabe para indeterminar alguém, é uma "não pessoa". Aplicada às eleições, sinaliza para o fato de que a representação democrática, classicamente mediada por partidos, tende a ser substituída por um indivíduo sem qualidades cívicas além da notoriedade midiática ou do acaso populista. É o equivalente do Big Brother na política.

Ao mesmo tempo, começa-se a identificar fulanização com molecagem na esfera pública. Moleque vem do quimbundo "muleke", mas também do árabe ("molaique"), neste último caso com o sentido de pequeno escravo, alguém que obedece à voz de um dono visível ou escondido. Isso dá margem a outro ângulo, à luz do publicado nas redes sociais sobre firmas de consultoria americanas que abrigam como biombos atividades da inteligência de Estado.

É que, de parte da potência imperial, parece ter acabado a era das intervenções explícitas na periferia dependente. É a vez de usar o direito para fins ilegítimos com a retaguarda dos porões que cobrem a vida aberta e a paralela. A nova equação do "regime change" é mídia com lawfare ou ataque legal contra um atrator de indignação pública, a exemplo da corrupção, um motivo levantado apenas quando interessa. No porão, faz-se o "coaching" de um fulano como gerente do estado invertebrado da representação política. Aos ouvidos céticos, isso soa a enredo de thriller. Porão teria muitas caras, nenhuma tão transparente, embora quase nada se oculte à mídia de hoje. Algo a se ponderar.

Mas se o roteiro é verossímil, um determinado fulano não encarnaria o papel do autocrata, como aqueles alçados por acaso ao topo das catástrofes populistas. Pelo contrário, o escolhido estrearia como personagem de um fake cívico, para só depois baixar na boca de cena política qual um herói da moralidade ou da "dignidade", que foi, aliás, a hashtag da deposição do presidente eleito na Ucrânia em 2014.

O esquema da fulanização pode funcionar até certo ponto (operações policiais ruidosas, holofotes da grande mídia, impeachment etc.), mas não é imune a problemas na continuidade. A melhor das fachadas pode ser arruinada por variáveis de ocasião e de caráter pessoal. Talvez por isso, meses atrás, alguém tenha se referido a um fulano brasileiro como moleque. O fato é que a trama desanda se o fulano é pequeno demais, se a olhos avisados, é um moleque que não segura a exibição da vontade de dinheiro e poder: um adulto-que-ainda-aprende-a-falar, metendo os pés pelas mãos antes da hora. Haja porão para lidar com uma variável dessas.

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