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Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de “Pensar Nagô” e “Fascismo da Cor”

Educação em apuros

EAD é experimento de automação do positivismo educacional

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O Brasil ocupa a terceira pior posição em investimento público na educação básica. Fato gravíssimo: um terço dos jovens abandona a escola antes de concluir o ensino médio. Não é só questão de verba, e sim de falência do verbo educar, ou seja, má qualidade de ensino. Inexiste programa sério de capacitação de professores, enquanto avança a proliferação do ensino a distância (EAD). Um grupelho de universidades privadas domina o setor, com número de inscritos superior ao de todas as instituições públicas. Mas estas, na avaliação do Enade de 2022, tiveram melhor desempenho que as privadas.

Candidatos aguardam a abertura dos portões para prova do Enem na Unip na rua Vergueiro, região central de São Paulo - Bruno Santos - 13.nov.11/Folhapress

Sistematicamente, os estudantes de EAD têm conceitos mais baixos que os presenciais. Sabe-se que disciplinas relativas a cálculos e mecanismos se prestam bem à instrução online, porém não se sabe como, em certos casos, um único tutor possa acompanhar centenas, senão milhares de inscritos. Outra questão é a evasão técnica: alunos se ausentam, deixando seus avatares nas telas. A pior de todas é a rasteira perspectiva pedagógica de que "bastam português e matemática".

Essas duas disciplinas, em que estudantes brasileiros revelam baixa proficiência, são vitais à tecnologia, embora não sob um positivismo culturalmente excludente. De fato, no domínio da criatividade, as big techs não pautam sua prática pela camisa de força, hostil à criação, com que o positivismo vestiu o conhecimento. Para Emmanuel Carneiro Leão, filósofo e educador falecido em outubro, pensar tem mais a ver com criação do que com cálculo.

A pedagogia positivista serve para passar no Enem, consolidar os rendosos monopólios de ensino e reproduzir elites de poder. Nesses termos, a universalização do acesso à escola é também apequenamento de qualidade, secundado pela pauta retrógrada da ultradireita, que agora avança sobre conselhos tutelares. Corporeidade infantil é matéria-prima para a hipocrisia moralista.

Só que existem corpos sociais e corpos raciais. Os primeiros integram-se na comunidade étnica hegemônica. Corpos de raça são aqueles que, no tráfico negreiro, "podiam ser comprados e vendidos, postos no trabalho como fontes privilegiadas de energia" (Achile Mbembe em "Corpos-Fronteiras"). Desses foram sucedâneos os escravos da máquina, operários, ou qualquer corpo de segunda classe.

A EAD destina-se a corpos raciais como experimento de automação do positivismo educacional, uma forma acelerada de adestramento que ignora a diferença entre produtividade e criatividade, entre instrução técnica e formação humana. De modo geral, excesso de informação é recesso de compreensão. Já a velocidade circulatória suprime pausa, ambivalência, reflexão e, no limite, a própria educação, estruturalmente mais lenta. Junto aos jovens, vence o TikTok. É o epitáfio do professor.

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