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Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

Descrição de chapéu Coronavírus

Crimes de responsabilidade de Bolsonaro não podem ficar sem resposta

Antes que seja tarde, é necessário criar as condições políticas para dar um novo rumo ao país

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Acabo de chegar dos Estados Unidos. Iria participar de seminários universitários em New York e Berkeley, que foram suspensos em decorrência do coronavirus. Em NY, na semana passada, todos os eventos públicos foram cancelados; as aulas suspensas em todas as universidades; os museus fecharam a partir de 4ª feira e os restaurantes estão funcionando de janelas abertas, com redução de 30% no número de mesas, para distanciar os clientes.

Viajei de máscara, seguindo a orientação das autoridades de saúde pública, que recomendam também isolamento de, no mínimo, sete dias após voltar do exterior. Chegando, sentei para escrever essa coluna, que seria sobre o equivocado veto da gestão Bruno Covas ao Parque do Bixiga, mas não me contive ao receber a notícia de que Bolsonaro, que também voltou dos EUA, com uma comitiva que já tem doze pessoas contaminadas pelo coronavirus, saiu do isolamento e se misturou durante mais de uma hora com os participantes do ato desse domingo em Brasília.

O presidente cometeu, simultaneamente, um duplo crime de responsabilidade.

O presidente Jair Bolsonaro, em contato com apoiadores neste domingo (15) - Sergio Lima / AFP

Por um lado, contrariando as recomendações do próprio Ministério da Saúde (um dos poucos setores do governo que, afortunadamente, ainda não foi destroçado), correu o risco de contaminar algumas das centenas de pessoas com quem teve contato direto na manifestação de Brasília, onde apertou mãos, abraçou e tirou selfies com apoiadores. A atitude combina bem com um presidente que não acredita na ciência e que classificou o coronavirus de “fantasia”, assim como com as declarações dos líderes do movimento que, na Avenida Paulista, chamaram o coronavirus de “mentira”.

Por outro lado, o presidente convocou e participou de atos que atacaram a Constituição. Os manifestantes pediram intervenção militar, defenderam o AI-5, atacaram o Congresso e o Supremo e, em última instancia, sob o argumento de “defender o Brasil”, exigiram um regime forte, centralizado na presidência.

Isso é inadmissível. Chega de passar a mão na cabeça de um governante irresponsável, que expõe a vida das pessoas ao risco da contaminação de um vírus e que, abertamente, apoia grupos e movimentos que estão atacando a Constituição. O Congresso não pode mais ficar imobilizado, com o país caminhando para uma crise econômica, social e de gestão sem precedentes.

A história está repleta de exemplos de presidentes que, após serem eleitos democraticamente, utilizam-se de massas fanatizadas, associadas a forças militares e/ou policiais (como os do motim do Ceará) para extravasar seu poder constitucional, esvaziar ou controlar os demais poderes e governar sem o sistema de freios e contrafreios que caracteriza a democracia.

Há dois anos, logo após a prisão de Lula, escrevi uma coluna que continua atual. “A frustração com a política, a polarização extremada e a intolerância são ingredientes para a emergência de regimes autoritários. Ainda mais se alimentados por uma crise econômica prolongada, pelo desemprego e pelo medo. É o Brasil nos últimos anos. A cada novo acontecimento, fica mais claro o risco de um retrocesso. (...) Nesse contexto, Bolsonaro, com um forte viés autoritário, lidera quando Lula é excluído. Ele vocaliza o descrédito no sistema democrático e a ideologia da segurança, de apelo popular. É fundamental a formação de uma ampla frente democrática, antifascista. O país precisa debater e pactuar, em um ambiente democrático, saídas para a crise. O golpe contra Dilma e o impeachment preventivo de Lula foram planejados para viabilizar um programa neoliberal. Mas, de fato, vem abrindo o espaço para uma alternativa autoritária e populista, que custará caríssimo para o país.” (Folha, 10/4/2018).

Uma frente democrática não é, necessariamente, uma política de conciliação. É recriação de um ambiente democrático e minimamente racional, onde possa se debater, com divergências, novas políticas públicas e o papel do Estado para tirar o país da depressão econômica, social e política que se aprofunda.

O desmonte do Estado provocado pelo Bolsonarismo, a frustração com a inoperância das reformas e política econômica comandada por Guedes, que não gera resultados efetivos, e a inevitável crise econômica mundial provocada pelo coronavirus, tem levado muitos dos defensores das reformas neoliberais a rever posições ortodoxas.

Em entrevista à Ilustríssima (Folha, 15/3), André Lara Resende afirma que “a tentativa de equilibrar as contas públicas, a curto prazo e a qualquer custo, inviabiliza os investimentos públicos e paralisa serviços básicos. Não há recuperação possível nessas condições”. Rodrigo Maia tem feito afirmações semelhantes, o que mostra que algo se move e que o “liberalismo primitivo” já não é mais um consenso nas elites.

Na mesma entrevista, Resende afirma que “um Estado competente é condição para garantir serviços públicos de qualidade e o bom funcionamento da economia competitiva”. A frase, assim como a anterior, poderia ter vindo de um político da esquerda moderada, contrário à concepção de Estado mínimo mas que admite uma economia competitiva.

Isso mostra a necessidade de criação de espaços de diálogo e de convergências mínimas para romper a estagnação do país. Mas nada indica que isso seja possível em um ambiente tóxico e antidemocrático como o proporcionado pelo atual governo. Antes que seja tarde, é necessário criar as condições políticas para dar um novo rumo ao país.

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