Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

Chile e desastre ambiental no Nordeste colocam em xeque redução do Estado

Desmonte foi aprofundado por Bolsonaro, com supressão de órgãos públicos e desqualificação das instituições

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Em meio à agenda neoliberal que está sendo promovida no Brasil, a revolta chilena e a paralisia do governo federal frente ao nosso maior desastre ambiental surgem como alertas potentes sobre a necessidade de se repensar as reformas que estão sendo implementadas no país.

Se ainda existe lucidez e capacidade de ouvir o outro, é o momento de frear a polarização contraproducente que se instaurou nos últimos anos para refletir sobre qual o modelo de Estado que queremos adotar, rompendo o dogmatismo e buscando caminhos alternativos.

É inegável a ineficiência e corporativismo do Estado brasileiro. Mas esse entendimento não pode levar à conclusão de que o único caminho a seguir é a doutrina neoliberal, baseada na desregulamentação, privatizações, diminuição do papel do Estado e revogação de direitos.

Voluntários fazem mutirão de limpeza da praia de Itapuã, em Salvador, neste domingo (27)
Voluntários fazem mutirão de limpeza da praia de Itapuã, em Salvador, neste domingo (27) - Fernando Vivas/Folhapress

No ambiente empresarial, na mídia e em setores da sociedade tornou-se um mantra a ideia de que o crescimento econômico exige a redução do Estado, privatização e concessão de serviços públicos e a flexibilização da legislação ambiental, trabalhista e urbana. Prevalece ainda a concepção de que os indivíduos devem concorrer e disputar as melhores oportunidades, gerando os vencedores, privilegiados que podem pagar pelos bens e serviços, e os perdedores, que ficam excluídos porque são incapazes.

O predomínio dessa concepção cruel tem gerado a privação de serviços públicos para a população de baixa renda e um aumento exacerbado da desigualdade em todo o mundo, como mostrou, entre outros, a série de reportagens de Fernando Canzian e Fernanda Mena, publicada pela Folha em agosto.

A explosão chilena é a expressão mais recente dessa panela de pressão social que o modelo gera. O país ocupa a 3º posição em concentração de renda, com o 1% mais rico se apropriando de 24% da riqueza, somente superado pelo Brasil, com 28% e pelo Qatar, com 29%.

Naquele país, a concessão, a privatização e a financeirização da previdência e dos serviços públicos (educação, saúde, saneamento e transporte), a desregulamentação do trabalho e a supressão de direitos foram adotados na ditadura de Pinochet (1973-1990) como um laboratório do neoliberalismo na América Latina. Como essa política foi pouco atenuada com a democratização e o Estado não promoveu políticas sociais suficientes para contrabalançar a desigualdade, apesar do alto PIB do país, a panela estourou.

No Brasil, o irresponsável desmonte do Estado, sem debate público, planejamento e consistência, iniciado por Temer e brutalmente aprofundado por Bolsonaro, com a supressão de órgãos públicos, indicação de pessoas despreparadas para funções técnicas e desqualificação das instituições, já mostra resultados trágicos, visíveis a olho nu.

Independentemente das causas do vazamento criminoso de óleo no litoral, o Estado nacional deveria estar preparado para enfrentar e minimizar seus impactos. Mas em abril de 2019, foi extinto o Comitê Executivo e o Comitê de Suporte do Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas (PNC).

O PNC estabelecia os procedimentos para enfrentar os incidentes com óleo e organizava a ação dos órgãos públicos para reduzir danos ambientais e problemas de saúde da população. Ao jogar fora esse trabalho, o governo perdeu a capacidade de reagir ao desastre. Levou 41 dias desde o aparecimento das primeiras manchas para tomar alguma iniciativa. Voluntários, sem preparo, orientação e equipamentos adequados, tentaram colaborar, prejudicando a própria saúde.

O desmonte e desqualificação do Ministério do Meio Ambiente, do Ibama e do ICMBio, crime que deveria levar o presidente e o ministro Ricardo Sales aos tribunais, é a mais grave consequência dessa visão equivocada com que se governa o país.

A mesma concepção está presente em São Paulo, onde João Doria e Bruno Covas, talvez para se mostrarem como os campeões do neoliberalismo, promovem uma onda de concessões e privatizações como se essa fosse, por princípio, uma política a ser perseguida. Daí decorre, como mostrei na coluna, ideias esdrúxulas, como conceder o Parque do Ibirapuera a uma empresa privada por 35 anos ou vender terrenos públicos onde funcionam escolas e equipamentos sociais.

Reformar o Estado é necessário. Mas os exemplos recentes mostram que o modelo neoliberal, com a concepção de Estado mínimo, aponta para um mundo ainda mais desigual, injusto e sem capacidade de enfrentar os grandes desafios sociais, ambientais, urbanos e econômicos do século 21.

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