PerifaConnection, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias. Feita por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Salvino Oliveira, Jefferson Barbosa e Thuane Nascimento
Violações, racismo ambiental e remoções assolam a zona oeste do Rio
Realengo e Campo Grande enfrentam insensibilidade e má vontade política em projetos de urbanização
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Grandes metrópoles como o Rio de Janeiro colecionam "desastres naturais" carregados de falta de planejamento urbano, como na Serra, em Petrópolis e, em Niterói, no Morro do Bumba. Apesar da diferença socioeconômica e geográfica, esses territórios se encontram no mesmo estado: o de alerta. Todo mundo sabe que a qualquer momento pode acontecer de novo. Estamos então nos acostumando com a tragédia ambiental?
Na zona oeste do Rio temos casos permanentes em épocas de calor, como falta de água e alagamentos ao mesmo tempo em uma região. Além disso, precisamos lidar com a especulação imobiliária que passa por cima do que estiver na frente, verde ou cinza. Que medidas políticas, urbanas e ambientais podem ser tomadas para adaptar e mitigar os desastres que são cada vez mais recorrentes?
A prefeitura municipal do Rio de Janeiro divide a cidade em cinco APs (Áreas de Planejamento) para facilitar os encaminhamentos das políticas públicas. A zona oeste, AP 5, concentra alguns dos bairros mais populosos do Brasil, segundo o censo demográfico do IBGE de 2010. Em primeiro lugar está Campo Grande, com 328.370 habitantes.
Além disso, a zona de amortecimento do Parque Estadual --uma das maiores unidades de conservação ambiental da cidade --é composta por bairros periféricos que em sua maioria vivem uma constante segregação socioespacial e falta de investimento do poder público, com histórias no concreto em meio a floresta.
O sub bairro Rio da Prata, encontrado na região administrativa de Campo Grande, vem passando por severas intervenções urbanas para acolher seu aumento populacional descontrolado. Ainda assim, há (r)existência e mobilizações históricas dos povos originários, como, por exemplo, a sede da comunidade remanescente Quilombola Dona Bilina, que guarda saberes ancestrais pela luta socioambiental na região.
Quando falamos de proteger o meio ambiente também estamos falando de preservação da história, memória e patrimônio das periferias. Quantos de nós desconhecem o Quilombo Dona Bilina?
Área de Proteção Ambiental da Serra da Posse está sujeita a intervenções na construção de um suposto anel viário (túnel) que liga a estrada da Posse à Caroba, no bairro de Campo Grande.
A população tem se mobilizado para entender o caso, principalmente se serão feitas remoções dos moradores dos sub-bairros Adriana e Timbaúba para a construção.
Intervenções estruturantes com estudos de tráfego seriam ótimas já que o bairro sofre com um congestionamento que faz com que uma ida ao centro da região demore uma hora e meia. Nosso ponto aqui é afirmar que precisamos de uma contrapartida digna que não afete de forma brutal as pessoas e muito menos passe por cima das zonas verdes.
Além da falta de planejamento urbano, questionamos também a falta de transparência. No último dia 6 de dezembro, comerciantes da Comunidade do Ideal (Vila Santo Antônio), em Realengo, tiveram suas fontes de renda colocadas abaixo. Foram mais de 40 lojas demolidas, deixando dezenas de famílias sem perspectiva para o Natal e Ano Novo.
Para a remoção no Ideal, a prefeitura alega obstrução de vias que, supostamente, atrapalhariam as obras de construção do Parque de Realengo Verde. O parque, importante lembrar, é uma conquista histórica da luta de décadas dos moradores pela preservação da última área verde plana da região.
Nesse caso, era viável e desejável começar a erguer o parque a partir de outro ponto do terreno e, assim, os moradores do entorno não seriam imediatamente afetados por uma obra cujo ano previsto para conclusão é 2024.
Foram ignoradas as recomendações da equipe técnica do empreendimento de executar a obra em fases e já está tudo no chão, inclusive a Ocupação Parquinho Verde, área revitalizada pelos moradores e utilizada para conscientização ambiental. Não sobrou nada e não há previsões de realocação, visto que a prefeitura só apareceu em dois momentos: para distribuir notificações de desocupação imediata no dia 21 de novembro e acompanhada de retroescavadeiras no dia 6 de dezembro. Quem consegue reorganizar a vida em duas semanas?
Esse jeito de conduzir projetos de urbanização com insensibilidade e má vontade política é, além de traumático, mais um reflexo do racismo ambiental que vivemos.
A modernização urbanística, na periferia, vem sempre banhada a remoções e chega fingindo que o abandono e falta de políticas públicas não é o principal responsável por "construções ilegais". É urgente, para enfrentar a crise climática e o racismo ambiental, que casos como o de Realengo e Campo Grande recebam a devida visibilidade e passem por estudos de tráfego, momentos de escuta pública, indenização, audiências e diálogos com os moradores.
É necessário desenvolver, mas o custo não pode ser o da violação de direitos humanos e da dignidade do trabalhador. A implementação de um tão sonhado Parque Verde não pode ser usada como desculpa para remoções descuidadas.
Queremos um desenvolvimento urbanístico respeitoso, e não regado a remoções e sofrimento. Isso é escolha, é projeto, e é possível fazer diferente na zona oeste e em todas as outras periferias do Brasil.
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