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'No quilombo, você não vai ver instrumento de tortura, vai ver resistência'

Solange Barbosa colocou Rota da Liberdade na plataforma Diaspora.Black, vencedora do Empreendedor Social 2022 na categoria Soluções Comunitárias

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São Paulo

Dona de um roteiro reconhecido pela Unesco que leva turistas para quilombos no Vale do Paraíba (SP), Solange Barbosa, 59, mudou-se para a região em 1995 com quatro crianças na bagagem.

Encantou-se com o turismo de memória. Criou a Rota da Liberdade, roteiro turístico que passa por fazendas e quilombos na região. E teve um salto, em 2018, com a chegada da Diaspora.Black.

A plataforma de afroturismo, criada por Carlos Humberto e Antonio Pita, venceu o Prêmio Empreendedor Social na categoria Soluções Comunitárias.

"Nasci no Cambuci, em SP, em 1963. Meu pai tinha três empregos e um deles era vender maçã do amor no Museu do Ipiranga. Minha mãe tinha uma pensão que aconchegou nordestinos saudosos de casa.

Aos 19, fui trabalhar nas Lojas Americanas da rua Direita. Apelidaram de navio negreiro porque tinham muitas pretas, balconistas e faxineiras.

mulher negra com roupas e lenço vermelhos
Solange Barbosa criou a Rota da Liberdade, roteiro turístico que passa por fazendas e quilombos do Vale do Paraíba - Arquivo pessoal

Fiz parte do movimento negro. Mas fui expulsa quando casei com um branco. A mãe dele dizia que eu tinha botado feitiço, sofri racismo. Sete anos depois, nos separamos.

Fiquei sozinha com quatro crianças e fui para Tremembé, no Vale do Paraíba. Fui estudar História, aos 40, por cotas.

Ninguém queria fazer grupo de estudo, achavam que eu não tinha capacidade intelectual. Até que fiz estágio em uma biblioteca e tomei contato com um projeto da Unesco que mapeava a diáspora africana. Falavam de turismo de memória, fiquei fascinada.

Mandei carta para o francês que criou roteiros baseados em processos de abolição. Com a orientação dele, em 2005, apresentei a Rota da Liberdade na Secretaria de Turismo do Estado de SP.

Aliás, chamava Rota do Escravo. Um jornalista disse que fazia apologia à escravidão. Prestei depoimento em 15 delegacias até mudar para Rota da Liberdade. Ele estava certo na defesa de que ‘escravo’ nos oprimia, mas errado na abordagem. Foi violentíssimo.

A Rota é um circuito por quilombos e fazendas do Vale. Os roteiros valorizam essas comunidades. Foi uma luta. Diziam: Vai ver o que em um quilombo? Ora, você não vai ver instrumento de tortura, eu mostro como a gente negra produz e resiste na terra.

Em 2009, a Rota foi eleita um dos dez melhores projetos de geoturismo do mundo. Fui contratada pela Unesco para ser referência em roteiros de memória. E teve um salto, em 2018, com a Diaspora.Black.

Eles foram meu renascimento como profissional do turismo. O maior impacto que eles causaram foi acessar a comunidade negra através da tecnologia. Você não via negros buscando roteiros turísticos. O branco vai conhecer, o negro vai em busca de reencontro com a africanidade.

Na pandemia, parei tudo. Fui fazer crochê e vender sopa. E a Diaspora.Black ajudou a colocar uma oficina de gastronomia virtual para dona Laura, do Quilombo da Fazenda em Ubatuba.

Hoje sou também diretora de planejamento, gestão e turismo da cidade de Paraibuna. E ainda acho tempo para ser avó, pois tenho oito netos!"

Conheça os demais finalistas e vencedores do Prêmio Empreendedor Social 2022 na plataforma Social+.

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