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Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

Sobre vaginas

Historicamente discriminadas e diminuídas, elas parecem ganhar novo e justo prestígio

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Uma das histórias tradicionais do Oriente Médio protagonizadas pelo sábio malandro Nasreddin Hodja conta que, um dia, um pobre foi apanhado no telhado de um restaurante a colocar duas fatias de pão duro no fumo da chaminé, para que o pão adquirisse os aromas da comida. O dono do restaurante exigiu que o pobre lhe pagasse pelo cheiro e Nasreddin foi chamado para resolver a disputa.

Pediu uma moeda, deixou-a cair sobre uma mesa e disse ao dono do restaurante: “Ouviu este barulho? O som da moeda paga o cheiro da sua comida”. Como é óbvio, Gwyneth Paltrow não conhece essa história, e está a vender velas com o cheiro da sua vagina por US$ 75 verdadeiros. Aceita cartão de crédito e dinheiro, mas não o som das notas. Eu perguntei.

Entendida geralmente como um fato sem importância, a notícia é, para mim, um excelente pretexto para refletir sobre a vagina, oportunidade que eu não costumo enjeitar.

Historicamente discriminada e diminuída, até por constituir uma espécie de metonímia da sexualidade feminina, a vagina parece ganhar, no século 21, novo e justo prestígio.

É difícil conceber que Paltrow pudesse comercializar velas com o cheiro de qualquer outra parte do seu corpo. Uma vela que cheirasse a seus pés, a suas orelhas ou até à sua bunda não teria, creio eu, esgotado imediatamente, como aconteceu com as velas que prometem desprender no ar o aroma da sua vagina.

E é curioso notar ainda que o pênis também não tem o estatuto do seu contraponto feminino. Uma eventual vela com o cheiro do pênis de Brad Pitt, por exemplo, seria apontada como uma iniciativa de mau gosto —e talvez haja nessa desigualdade de tratamento alguma justiça. O pênis é impertinente e incontrolável; a vagina é ensimesmada e misteriosa.

Sem surpresa, a minha edição da biografia da vagina, escrita por Naomi Wolf, tem 512 páginas, ao passo que a também interessante história cultural do pênis, de David Friedman, não chega às 300. Não se trata de uma maior ou menor prolixidade dos autores: acontece que há muito mais para dizer sobre a vagina.

Ainda assim, gostaria de conhecer os compradores dessa vela. Imagino-os a acenderem a vela quando convidam gente para jantar e a perguntar: “Gostam do cheiro da minha casa? É vagina de Gwyneth Paltrow. Mais filé?”. 

Parece o início de um serão muito interessante.

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