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Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

Sertanejos com sotaque

No cinema do passado, ninguém se preocupava em fazer os RR dos cabras

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Ao escrever outro dia sobre a morte do ator Leonardo Vilar, comentei que o pungente papel de Zé do Burro no filme "O Pagador de Promessas" (1962) quase lhe escapou, porque o produtor preferia o cômico Mazzaroppi. Mas o diretor Anselmo Duarte insistiu em Vilar e o filme ganhou o Festival de Cannes, derrotando "O Eclipse", de Antonioni, "O Anjo Exterminador", de Buñuel, e "Os Inocentes", de Jack Clayton. Um leitor observou, no entanto, que, sendo "O Pagador de Promessas" ambientado na Bahia, soava falso o sotaque de Piracicaba do ator, nascido lá.

É verdade. E não só. Além desse, Vilar faria ainda o protagonista de dois outros filmes de sertão: "Lampião, Rei do Cangaço" (1962) e "A Hora e Vez de Augusto Matraga" (1965). Nunca Piracicaba foi tão longe.

O problema era antigo. No também premiado "O Cangaceiro" (1953), as estrelas eram o gaúcho Alberto Ruschel, a paulista Marisa Prado, o mineiro Milton Ribeiro, a carioca Vanja Orico e, pode crer, Adoniran Barbosa. Ninguém falava os RR dos cabras. Nem poderiam. O filme, passado na caatinga, foi rodado em Vargem Grande do Sul (SP), região cercada por estações de águas. E, em "Vidas Secas" (1963), o raquítico sertanejo flagelado da história era vivido pelo carioca Átila Iório, com seu físico de boxeur. Iório foi de novo um dos nordestinos de "Os Fuzis" (1964), ao lado do paulista Nelson Xavier e da querida Maria Gladys, idem, carioca.

O primeiro diretor a exigir alguma autenticidade nos sotaques foi Glauber Rocha, cujo "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964) tinha os baianos Geraldo Del Rey e Othon Bastos –mas ao lado dos cariocas Mauricio do Valle e Yoná Magalhães.

Eu sei, ator é ator, e ninguém precisa cortar a perna para interpretar o capitão Ahab. Mas que o cinema do passado, inclusive o americano, não se preocupava muito com certo realismo vocal, é um fato. Ou Charlton Heston não teria sido Moisés.

O ator Átila Iório em cena de 'Vidas Secas' - Divulgação

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