Siga a folha

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

A memória reduzida ao tablet

As mil canções que Tony Bennett sabia de cor podem estar indo para um lugar escuro

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Tony Bennett, um dos últimos cantores americanos da era clássica, está com 94 anos. Segundo notícias de Nova York, sofre da doença de Alzheimer, mas, mesmo reduzido a lives domésticas, continua na ativa. Já não tem a mobilidade com que dava largas passadas pelo palco, seduzindo cada setor da plateia e, de repente, abandonava o microfone e enchia o ambiente à custa apenas dos pulmões —como o vi fazer no Canecão, no Rio, e no Palace, em São Paulo, em 1989. Era como fechava seus shows naquela época, e a canção só podia ser “I Left My Heart in San Francisco”.

Passei uma tarde com ele no Caesar Park, no Rio, e, tanto quanto sua simpatia, sua memória era impressionante. Falou-me durante horas de cantores de seu tempo e de outros tempos, de compositores como Cy Coleman (que foi dos primeiros a gravar) e Alec Wilder (talvez o segredo mais bem guardado da música americana) e lembrou canções perdidas que ele, a exemplo de sua mestra Mabel Mercer, ajudou a recuperar. Uma delas, e minha favorita, “Hi-Ho!”, de 1937, descoberta no arquivo dos irmãos Gershwin.

Tony ainda canta, mas, por causa do Alzheimer, precisa de um tablet à sua frente com as letras. É cruel imaginar que, a cada minuto, os versos de canções que ele consagrou, como “Lost in the Stars” e “Stranger in Paradise”, que lançou, como “The Good Life” e “When Joanna Loved Me”, ou que cantou melhor que todos, como “It Amazes Me” e “The Best Is Yet to Come”, estejam fugindo de sua cabeça. Será que ainda sabe o que representaram seus dois monumentais LPs de voz e piano, “The Tony Bennett/Bill Evans Album” (1975), e “Together Again” (1976)?

Nos EUA e na Europa, a ciência busca drogas e aparelhos para detectar o Alzheimer no começo e retardar sua evolução. Um dia, chegará lá.

Pena que, antes disso, as mil canções que Tony Bennett, como ele me disse, sabia de cor, já terão ido para um lugar escuro.

LP original e edições em CD de discos clássicos de Tony Bennett - Heloisa Seixas

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas