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Advogado, professor visitante da Universidade de Columbia, em Nova York, e presidente do Instituto Luiz Gama.

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Os profanadores

Incursões assassinas em favelas, racismo religioso e empresários golpistas dão o tom da política brasileira

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O cenário político brasileiro nos coloca diante da constatação de que há entre nós aqueles que se dedicam a tornar a vida algo sem sentido, vazio, triste. Estes fazem de tudo para tornar o mundo um lugar pior; e quanto mais a sociedade se degrada, mais estes indivíduos se regozijam. Nutrem-se do desespero, da violência e da morte.

São profanadores. Aqui não me refiro ao profano como o termo é específica e precisamente tratado pela teologia, ou seja, como aquilo que se opõe à experiência do sagrado religioso. A profanação aqui serve para tratar daquilo que se esforça para aniquilar os sentidos da existência que são coletivamente produzidos e que faz do poder um instrumento de assassinato e de espoliação. Refiro-me, enfim, à profanação política.

Para se estabelecer, a profanação precisa corromper a experiência política em três dimensões fundamentais: a dimensão histórico-temporal, a dimensão espaço-territorial e a dimensão da verdade. Analisemos cada uma delas por meio de exemplos da conjuntura nacional.

O presidente Jair Bolsonaro defende o porte de armas em post no Instagram - Reprodução-03.mar.21/Instagram

Se no campo da religião a distinção entre o sagrado e o profano também é determinada pelo espaço, o profanador age "dessacralizando" territórios e tomando-os para si, a fim de impedir a realização dos ritos que determinam valores essenciais da vida comunitária.

No campo da política, o profanador atua para introduzir nos territórios uma lógica de anormalidade e de caos, fazendo com que tudo que nasça nestes espaços seja marcado com o símbolo da morte. Exemplo disso são as chacinas conduzidas sob a batuta do Governo do Rio de Janeiro nas favelas, em ostensivo descumprimento de decisão do Supremo Tribunal Federal que impôs limites a estas incursões assassinas.

A invasão e destruição de territórios indígenas e quilombolas também podem ser mencionados como exemplos de profanação. O profanador é, portanto, aquele que a qualquer custo introduz a morte nos espaços de reprodução da vida.

O profanador é também um inimigo da história, e mais do que isso, da temporalidade histórica. Ele não quer somente ressignificar os fatos; ele quer que história não haja e que tudo se reduza a seus interesses imediatos. Basta ver os empresários brasileiros que esta semana tiveram conversas de WhatsApp divulgadas e em que defendiam um golpe de Estado no caso da vitória de Lula. Homens que sempre se beneficiaram do Brasil e da exploração sobre o povo brasileiro agora defendem sem hesitar um golpe que resultou em assassinato, tortura e que ajudou a manter a economia brasileira na trilha da dependência e do subdesenvolvimento. Aos profanadores da temporalidade histórica impõe-se como tarefa fundamental o sequestro do futuro.

Mas o profanador é também um mentiroso, que faz da mentira seu modo de ser no mundo. Isso o faz negar a ciência, odiar universidades e professores, mas também trabalhar pela destruição e morte de todo sistema de crença, cultura ou forma de vida que não seja o seu. Com efeito, o presidente da República e seus apoiadores são profanadores por excelência. Exigem que sua religiosidade seja respeitada, mas instigam o ódio diariamente contra as religiões de matriz africana. O profanador sempre mente sobre o amor que diz sentir pelo próximo, sempre mente sobre ter compaixão e sempre mente sobre respeitar a família. O profanador é, acima de tudo, um adorador da mentira.

A restituição do espaço, do tempo e da verdade da política é uma tarefa que exige que os profanadores sejam enfrentados. E isso não ocorrerá por obra do acaso ou da providência divina. A profanação política é obra da política e é com política que ela será confrontada, seja nas urnas, seja nas ruas.

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