Descrição de chapéu Rio de Janeiro

Operação policial na Vila Cruzeiro já é a 2ª mais letal da história recente do RJ

Ação só perde para o massacre do Jacarezinho em 2021, segundo levantamento do Geni-UFF

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rio de Janeiro

A operação policial que deixou ao menos 25 mortos nesta terça (24) na Vila Cruzeiro, na zona norte carioca, já é a segunda mais letal da história recente da região metropolitana do Rio de Janeiro, segundo levantamento do Geni-UFF (Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense).

O grupo de pesquisadores reúne informações sobre ações policiais realizadas desde 1989. De acordo com os dados, a ação só perde para o massacre do Jacarezinho em 2021, com 28 mortos.

Com a morte de duas pessoas internadas no Hospital Estadual Getúlio Vargas durante a noite e de um menor de idade que chegou já em óbito na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Complexo do Alemão na terça, a ação superou a chacina da Vila Operária em Duque de Caxias, em 1998, que deixou 23 mortos.

Polícias próximos ao Hospital Getúlio Vargas, na zona norte do Rio de Janeiro, para onde foram levados os feridos após a ação desta terça (24)
Polícias próximos ao Hospital Getúlio Vargas, na zona norte do Rio de Janeiro, para onde foram levados os feridos após a ação desta terça (24) - Eduardo Anizelli/Folhapress

Segundo a Polícia Militar, a ação desta terça visava prender em flagrante mais de 50 traficantes de vários estados que sairiam em comboio à favela da Rocinha, na zona sul da cidade. O plano, porém, foi frustrado quando uma das equipes à paisana foi descoberta e atacada na entrada da comunidade, por volta das 4h.

O que se seguiu foram horas de confrontos, que acabaram subindo pela comunidade até chegar a uma área de mata que liga a Vila Cruzeiro ao Complexo do Alemão, onde a maioria foi baleada. Entre os mortos também está Gabrielle Ferreira da Cunha, 41, alvejada dentro de casa longe dali.

O Geni-UFF contabilizou, entre 2007 e 2021, 593 ocorrências policiais na região metropolitana do Rio com três ou mais mortos, que o grupo classifica como "chacina". Elas somaram 2.374 óbitos de civis e 19 de agentes do Estado. Só neste ano, foram 16 casos, com 85 mortos.

O levantamento não inclui as chacinas de Vigário Geral (com 21 mortos em 1993) e da Baixada Fluminense (com 29 mortos em 2005), provocadas por policiais que integravam grupos de extermínio, não em operações oficiais como a desta terça.


OCORRÊNCIAS COM MAIS MORTES NO ESTADO DO RJ

  1. 28 mortos - Jacarezinho (maio de 2021)
  2. 25 mortos - Vila Cruzeiro (maio de 2022)
  3. 23 mortos - Vila Operária, Duque de Caxias (janeiro de 1998)
  4. 19 mortos - Complexo do Alemão (junho de 2007)
  5. 15 mortos - Senador Camará (janeiro de 2003)
  6. 15 mortos - Fallet/Fogueteiro (fevereiro de 2019)
  7. 14 mortos - Complexo do Alemão (julho de 1994)
  8. 13 mortos - Complexo do Alemão (maio de 1995)
  9. 13 mortos - Morro do Vidigal (julho de 2006)
  10. 13 mortos - Catumbi (abril de 2007)
  11. 12 mortos - Complexo do Alemão (agosto de 2004)
  12. 12 mortos - Vila Isabel (outubro de 2009)
  13. 12 mortos - Barreto, Niterói (setembro de 2010)
  14. 12 mortos - Complexo do Alemão (maio de 2020)

Fonte: Geni-UFF


"Reiteramos que esta política de segurança pública centrada em operações policiais em favelas, além de implicar em altíssimos custos para a sociedade, há décadas vem se demonstrando ineficiente no controle do crime, incapaz de proporcionar a redução das ocorrências criminais", argumenta em nota o grupo.

No início deste mês, quando o massacre do Jacarezinho completou um ano, os pesquisadores divulgaram um relatório mostrando que a zona norte da capital fluminense —onde fica a Vila Cruzeiro, que faz parte do Complexo da Penha— é recordista no número de operações muito letais.

Segundo a pesquisa, ao todo foram realizadas 17.929 incursões entre 2007 e 2021 em favelas da região metropolitana do Rio, das quais 593 resultaram em massacres com 2.374 vítimas no total. Mais da metade deles (222) se concentrou na zona norte.

O bairro com a maior quantidade de óbitos decorrentes dessas ações foi justamente o Jacarezinho (112 vítimas em 19 massacres), seguido por Costa Barros (97 mortes) e Complexo da Maré (92 mortes).

Para chegar a esse ranking, o grupo cruzou sua base de dados, formada por notícias confirmadas por três ou mais fontes, com a do Instituto de Segurança Pública, autarquia do governo estadual. Assim, foi possível identificar discrepâncias e complementar informações.

As polícias costumam responsabilizar a facção criminosa Comando Vermelho pelo alto número de mortes em incursões em favelas dessa região.

"Essa facção é responsável por 80% dos confrontos que acontecem no estado do RJ, uma facção muito atuante, e que em determinado momento passou a abrigar, esconder e treinar elementos de outros estados. Tudo isso está sendo mapeado, monitorado", disse à imprensa nesta terça o secretário da PM, coronel Luiz Henrique Marinho Pires.

O sociólogo Daniel Hirata, coordenador do Geni-UFF, também cita que milícias da zona oeste e da Baixada Fluminense tentam expandir sua atuação em direção à zona norte, o que gera confrontos entre grupos armados. Quando a polícia entra nessas áreas já conflagradas, o saldo de mortes tende a ser alto.

De acordo com o levantamento feito até o ano passado, a disputa entre organizações criminosas é a principal motivação para operações que terminam em chacina (14%), seguido por perseguição ou fuga (5%).

A Polícia Civil é proporcionalmente a que mais mata nessas ações, com média de 4,8 óbitos contra 4 no caso da Polícia Militar, o que surpreendeu os pesquisadores. A explicação estaria na atuação da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), espécie de batalhão de choque altamente letal da corporação.

A PM, porém, foi a que mais participou de massacres, integrando 89% dessas ocorrências. O Bope, responsável pela ação na Vila Cruzeiro, está na liderança entre mais de 70 batalhões e delegacias, com 92 ocorrências —contra 36 da Core, empatada com o 14º Batalhão de Polícia Militar (Bangu, zona oeste).

Nesta terça, o secretário de Polícia Militar também culpou o Supremo Tribunal Federal (STF) pela migração de criminosos ao Rio. "Isso vem acentuando nos últimos meses. Esse esconderijo deles nas nossas comunidades é fruto basicamente dessa decisão do STF", disse.

Em junho de 2020, o ministro do STF Edson Fachin restringiu as operações no Rio de Janeiro a casos excepcionais enquanto durasse a pandemia da Covid-19, no âmbito da chamada ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) das Favelas.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.