Silvio Almeida

Advogado, professor visitante da Universidade de Columbia, em Nova York, e presidente do Instituto Luiz Gama.

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Descrição de chapéu Folhajus vale do javari

Assassinatos na Amazônia, perseguições e violência judicial revelam um Brasil sequestrado

Eleições serão apenas o início de reação contra corrente que há muito habita a história do país

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Não há dúvida do quanto as eleições de outubro serão cruciais para o destino do Brasil. Os corruptos que hoje comandam este país precisam ser varridos do poder, não apenas em nome da "democracia", do "republicanismo", mas em nome da vida. O governo Bolsonaro é uma ameaça existencial.

Entretanto, quero aqui, à luz dos acontecimentos das últimas semanas, voltar a um tema já tratado por mim e por outros articulistas: o bolsonarismo sem Bolsonaro. Nesse sentido, as próximas eleições serão apenas o início de uma reação contra o que denominamos "bolsonarismo", por conta de sua encarnação na figura de um indivíduo que representa todo o potencial destrutivo da extrema direita, mas que há muito habita a história do Brasil.

Manifestantes fazem, no DF, ato em memória do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Philips; com máscaras simbolizando o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Funai Marcelo Xavier, criticam a política ambiental e indigenista do governo - Pedro Ladeira - 20.jun.22/Folhapress

O bolsonarismo é parasitário. Sua existência depende do sequestro permanente das instituições do Estado, o que se dá em benefício de determinados grupos sociais. Milicianos, fundamentalistas religiosos, financistas, garimpeiros, mineradores, latifundiários e supremacistas existem graças ao orçamento público e ao recurso sistemático aos aparatos de violência estatal. Mas quando o Estado intervém em favor dos pobres ou de grupos vulneráveis, os vampiros gritam por "menos Estado" e não hesitam em denunciar os males do "assistencialismo". Mais Estado para eles e menos Estado para os pobres.

Nestas últimas semanas, tivemos alguns fortes indicativos de que parte da sociedade brasileira não mais se importa com limites ou com a manutenção da legalidade e estará disposta a qualquer coisa para se manter no poder.

O primeiro é o assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips. O governo brasileiro, que promove abertamente uma política contras indígenas e quilombolas, ignorou as ameaças que já vinham sendo feitas contra todos os que denunciam a calamitosa situação da região amazônica. É o Estado sequestrado pelo latifúndio e pelo crime organizado.

A perseguição de parlamentares de oposição é outro aspecto da captura do Estado pelas forças do bolsonarismo. Menciono dois casos recentes. O primeiro, o do vereador de Curitiba Renato Freitas, que, durante protesto convocado nacionalmente pelo movimento negro em decorrência do brutal assassinato do congolês Moïse Kabagambe, foi acusado de quebra de decoro parlamentar por "invadir" a igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Além das provas colhidas durante a sindicância demonstrarem que não houve invasão, da Arquidiocese de Curitiba ter se posicionado contra a cassação e do próprio relator ter descartado essa alegação, o processo foi estranhamente acelerado a fim de prejudicar a defesa do vereador. Renato teve seu mandato cassado pela Câmara de Curitiba, em uma deliberação vergonhosa. É o Estado sequestrado pelo fundamentalismo religioso e pelo racismo.

O outro caso é o do deputado federal Glauber Braga, que, no regular exercício de seu mandato, ao perguntar ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, se este não tinha "vergonha" de se aproveitar da justa insatisfação popular provocada pela elevação do preço dos combustíveis para propor a privatização da Petrobras, não só foi ameaçado de ser retirado à força do plenário (o que configuraria abuso de autoridade), como também teve aberto contra si processo no Conselho de Ética que objetiva a cassação de seu mandato. É o Estado sequestrado por interesses de empresas nacionais e estrangeiras.

E, por fim, o caso da juíza de Santa Catarina que submeteu uma garota de 11 anos, vítima de estupro que resultou em gravidez, a um tipo de violência institucional cujo relato é repugnante. Não contente em descumprir a lei que garante o aborto em caso de estupro independentemente de autorização judicial, a magistrada Joana Ribeiro Zimmer retirou a menina da guarda da mãe e a enviou a um abrigo, certamente com o propósito de impedir o cumprimento da lei. É o Estado sequestrado pelo fundamentalismo religioso e por uma burocracia togada que sequer respeita a legalidade que é a razão de ser de sua função.

Esses casos põem a nu o que de pior há no Brasil, e a eleição de outubro é só um primeiro passo para que este país possa ser retirado do cativeiro.

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