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Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Mais uma não especialidade humana: menopausa

Em reserva em Uganda, chimpanzés fêmeas vivem até 65 anos; e têm menopausa

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Eu tenho que me controlar para não revirar os olhos quando me vêm com a velha cantilena de que humanos são especiais. Cérebro aumentado, infância anormalmente longa, longevidade expandida a ponto de termos menopausa e avós dedicadas em nossa espécie, que não mais se reproduzem, apenas cuidam da prole da sua prole. E tudo isso supostamente devido a uma "vantagem evolutiva" de nossos antepassados sortudos comparados aos seus oponentes. Se tudo isso é tão vantajoso, por que só acontece em humanos?

Não é vantajoso –e não acontece só em humanos.

Aceitar premissas em vez de questioná-las é sempre o caminho mais fácil, e elas se autopropagam. Meus colegas que o digam, cujas pesquisas dependem da validade da tal premissa de exclusividade humana, que já demonstrei ser incorreta.

A suposta extensão da vida humana também vem de outra premissa incorreta: de que tudo na vida fica mais devagar conforme o corpo aumenta de tamanho, o que, em geral, vem com metabolismo mais lento. O crescimento fica também mais lento, a infância dura mais tempo, o fim chega mais tarde. Nesse caso, seria de se esperar que humanos tivessem vida mais curta do que gorilas, cerca de duas vezes maiores do que nós.

Gorilas no Parque Nacional dos Vulcões, em Ruanda - Skyler Bishop for Gorilla Doctors

Mas não: nós, humanos, vivemos hoje em dia de 20 a 40 anos mais do que gorilas –que, aliás, costumam morrer ainda em idade reprodutiva. Ou seja: gorilas podem ser mães até o fim; humanas mais velhas somente podem se tornar avós, mas mães não mais.

Esse período supostamente misterioso de vida não reprodutiva, em "menopausa", é um dito "mistério evolutivo": um fenômeno sem função conhecida –porque quase 10 entre 10 biólogos aceitam a premissa de que tudo o que existe deve ter evoluído "para" ter uma função, ou não constituiria uma "vantagem" evolutiva.

Antropólogos, então, foram à luta arranjar uma função para a menopausa. E arranjaram de fato: "cuidar dos netos", quando o próprio útero já não mais se ocupa de cria própria.

Laura Ultramar, 93 (na cama, quando se recuperava de uma queda) com a filha Helena Ultramar, 67, a neta Maya Marx, 37, e a bisneta Lorena Marx Fabietti, 6, em São Paulo - Eduardo Knapp - 20.jul.20/Folhapress

A história foi bem até uma equipe de antropólogos de várias universidades nos EUA se meter a estudar por mais de 20 anos uma população grande de chimpanzés em uma reserva em Uganda. Os resultados acabaram de sair na revista Science.

Naquela população, as fêmeas de uns 50 anos não mais se reproduzem, como chimpanzés em outras localidades. Mas, surpresa: seja por falta de leopardos (cortesia da caça por humanos), seja por abundância de frutas, seja por algum outro azar de sorte, as fêmeas da comunidade Ngogo de chimpanzés vivem até os 65 anos.

Ou seja: têm menopausa.

Mas não ajudam suas filhas, porque as fêmeas deixam a comunidade ao se tornarem adultas. Tampouco cuidam da prole dos seus filhos, ainda na comunidade. Não: chimpanzés na menopausa vivem... porque podem, eu diria.

Chimpanzés são a espécie com o terceiro maior número de neurônios no córtex cerebral, o qual, este sim, prediz longevidade impressionantemente bem. Em consequência, aquelas espécies mais longevas, com muitos neurônios corticais –como baleias, chimpanzés e nós, humanos– são as que têm o privilégio de passar pela menopausa. Simples assim.

E para que serve a menopausa? Para o que a gente quiser e puder fazer, oras. Neurônios para arranjar interesses –inclusive cuidar dos netos– não nos faltam.

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