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Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Pergunta difícil: eu seria cientista de novo?

Fazer ciência é muito diferente de ser cientista

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Foi-se o tempo em que fazer ciência era ser cientista. Hoje em dia, as duas coisas são estranhamente dissociáveis, o que até tem a sua lógica e o seu lugar. Mas a pressão por fazer ciência está matando os cientistas.

O "publicar ou morrer" é um mero detalhe na história. Se fazer ciência é gerar conhecimento, então esse conhecimento gerado precisa ser disseminado, e isso acontece através de publicações científicas: relatórios preparados de acordo com regras e critérios cuja função é assegurar que o que é publicado será imediatamente útil a outros cientistas.

Nos dias de hoje, infelizmente, existe zero garantia de que toda publicação de fato apresenta conhecimento novo; portanto, o número de publicações não é necessariamente medida da quantidade de conhecimento gerado por um cientista. Mas quem não produz conhecimento não terá o que publicar –simples assim.

A ciência tem máquinas e algoritmos à sua disposição que permitem sequenciar genomas inteiros em dias. Mapear todos os genes expressos em todas as células de um embrião em desenvolvimento agora é apenas uma questão de possuir financiamento suficiente para contratar profissionais para operar a maquinaria e organizar os dados –coisa que, aliás, já é cada vez mais automatizada por inteligência artificial.

Cultura de bactéria Klebsiella pneumoniae preparada pela biomédica Thais Rezende no Laboratório Especial de Microbiologia Clínica da Unifesp - Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP

Cada célula pode ser dissecada em suas moléculas-parte: temos transcriptomas, proteinomas, lipidomas, metabolomas, esses nomes monstruosos para as listas completas dos conjuntos de RNAs transcritos, proteínas, lipídios ou metabólitos encontrados em cada célula. É uma quantidade tão brutal de informação que as próprias revistas científicas não comportam mais os dados que publicam: eles ficam em repositórios externos, impossíveis de serem verificados por pares porque não há tempo para isso.

Donde minha bronca. A Ciência, que é o conjunto de pessoas mantendo a economia científica a cada momento, se enamorou da automatização que permite volumes descomunais de dados, e quer ainda mais. Mesmo com automatização, lidar com mais dados requer mais pessoas capacitadas em... "fazer" ciência, da preparação de amostras à organização dos dados para que eles possam ser interpretados. A Ciência sempre precisou dessas pessoas, que mantêm os laboratórios funcionando, e hoje precisa delas ainda mais.

Mas, nas duas últimas décadas, essas pessoas que fazem ciência têm cada vez menos oportunidades para "pensar" em ciência –para "serem" cientistas, além de fazer ciência. Cientista é quem leva conhecimento suficiente em sua mente a ponto de poder dar sentido a dados novos e interpretá-los, gerando mais conhecimento no processo. Cientista costumava ser também a pessoa que produz os dados e conduz o processo todo, mas hoje a maioria das pessoas em ciência "faz" ciência sem "ser" cientista de fato.

Donde minha pergunta: se estivesse começando hoje, eu embarcaria em uma carreira científica? Os recursos vão cada vez mais para as mãos de cada vez menos laboratórios, que agora produzem dados em escala industrial. Eu me juntaria a um megalaboratório onde seria muito provavelmente apenas mais uma engrenagem fazendo ciência, em troca de talvez um dia poder ser cientista de fato?

A pergunta hoje não é mais "você quer mesmo ser cientista?". É bem mais complicada. Você quer se meter a "fazer ciência" mesmo que você jamais se torne "cientista" de fato? Ah, este complexo mundo novo...

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