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Cientista política, astrofísica e deputada federal por São Paulo. Formada em Harvard, criou o Mapa Educação e é cofundadora do Movimento Acredito.

Você suportaria essa realidade?

A privação dos serviços mais básicos, que geraria revolta no centro, é só o dia a dia da periferia

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Já há algumas semanas que, se queremos tomar banho mais tarde, precisamos recorrer ao bom e velho balde. Na ocupação que vivo com minha família, na Vila Missionária, bairro da zona sul de São Paulo, convivemos há anos com o racionamento no período noturno, com a pressão da água caindo drasticamente às 23h. Desde outubro deste ano, no entanto, passamos a ficar sem água em nenhuma das torneiras a partir das 20h. Apesar da crise hídrica atual, não há relatos como esse de moradores das zonas mais ricas da cidade.

Não importa se estamos falando do Capão Redondo, de Itaquera ou de Heliópolis, alguns fatores fazem com que o acesso aos serviços mais básicos, sejam eles públicos ou privados, dependa fundamentalmente do seu CEP.

Políticas públicas excludentes e ações discriminatórias do setor privado se somam às dificuldades enfrentadas pela população de baixa renda para contornar esses problemas —nós não podemos contar, por exemplo, com as enormes caixas d’água de alguns condomínios.

Apesar de eu ter o privilégio de morar em rua asfaltada, não é raro que alguma encomenda simplesmente não chegue à minha casa, cabendo a mim descobrir como posso recuperá-la. Alegando falta de segurança, os Correios às vezes decidem que não vale a pena irem até a minha quebrada. Pelo mesmo motivo, os moradores de Paraisópolis não conseguem colocar o seu endereço na plataforma do Uber. Em alguns bairros da Capela do Socorro, não adianta chamar o Samu: como não há placas com os nomes das ruas, a ambulância não consegue encontrar o destino.

Para além da exclusão que causa, a banalização dessas dores cria ambiente extremamente fértil para o oportunismo de alguns políticos, que distribuem direitos como se fossem benesses. A permissão para jogar no campo público, a vaga no posto de saúde, o remédio necessário, a instalação da internet, tudo depende da "boa vontade" de algum intermediário —seja ele um político ou um representante do crime organizado.

Só vamos mudar essa realidade quando a cidadania deixar de ser tratada como uma caridade a ser distribuída. E um dos caminhos mais efetivos para isso é colocar pessoas com diploma de realidade nos espaços de poder.

Poucas experiências ensinam tanto quanto o medo de não saber se você terá o que comer no dia seguinte; a frustração de esperar por horas para que lhe digam que você terá que voltar na próxima madrugada em busca da consulta que precisa; o cansaço com as três horas diárias passadas em pé e apertado contra a porta do ônibus. Quando tivermos mais pessoas com esse tipo de experiência ocupando os espaços de poder essa série de exclusões começarão a incomodar.

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