Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Por que Roberto Carlos e Caetano Veloso nunca se apresentaram no Rock in Rio?

A recente inclusão dos sertanejos no festival chama a atenção para outros vacilos históricos da curadoria do maior evento musical do Brasil

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Esta semana causou alvoroço nas redes a notícia de que os cantores sertanejos Chitãozinho & Xororó, Luan Santana, Ana Castella e Simone Mendes irão se apresentar no Rock in Rio em setembro próximo. Esta coluna já havia mostrado como era uma contradição gritante não haver o gênero mais popular do Brasil no maior festival do país. Finalmente superou-se essa aberração.

Na edição deste ano haverá palcos para o samba, bossa nova, trap e rap, além do sertanejo. Sob o discurso do ecumenismo estético, a organização busca "furar bolhas" e fazer pontes político-musicais, como disse o vice-presidente artístico do Rock in Rio, Zé Ricardo: "Quando a gente fala de MPB é muito mais do que música popular brasileira. É a música do Brasil. É qualquer tendência que a música brasileira esteja aberta".

Mas, por maior abertura que se promova, permanece um equívoco histórico do festival: o desprezo pela história do gênero no Brasil. Só assim para se compreender por que Roberto Carlos e Caetano Veloso, dois dos maiores nomes da história do rock no Brasil, nunca se apresentaram no festival do empresário Roberto Medina.

Roberto Carlos e Caetano Veloso se abracam após cantarem a primeira música durante o show em homenagem a Tom Jobim no auditório do Ibirapuera, na zona sul da cidade - Moacyr Lopes Junior/Folhapress

A edição deste ano é a 23ª do festival. Nove foram realizadas no Rio de Janeiro e 13 no exterior. Lisboa abrigou nove edições; Madri, três; e Las Vegas, uma. No total, quase 11 milhões de pessoas assistiram a artistas de diversas partes do mundo. E nada de o baiano de Santo Amaro e o rei de Cachoeiro de Itapemirim terem sua vez.

Os mais puristas ou os mais jovens podem achar estranho se associar Roberto e Caetano ao rock, devido a imagem consolidada destes artistas nos dias de hoje. Mas não se enganem: estamos lidando com dois gigantes do gênero, sem os quais o rock não seria o mesmo no Brasil.

Ainda mais determinante do que Celly Campello, principal nome da proto-história do rock no Brasil, Roberto Carlos é o mais importante artista do gênero nos anos 1960. Seu espantoso sucesso popular reconfigurou os ouvidos das massas para o som das guitarras. Seu som, produzido ao lado de grupos roqueiros como The Fevers, Os Incríveis e Renato e Seus Blue Caps, era chamado de "iê-iê-iê", referência pejorativa ao sucesso pop "She loves you" dos Beatles. As músicas do quarteto britânico eram ouvidas pela inteligência nacional da época como banal, comercial e menor, daí o deboche do apelido à música da Jovem Guarda, movimento capitaneado por Roberto Carlos. Sem Roberto, a sensibilidade roqueira do Brasil não seria a mesma.

Ainda naquela década Caetano Veloso teve atuação fundamental na ampliação da influência do rock no Brasil. A abertura de "Alegria, alegria", de 1967, iniciava-se com uma distorção de guitarra que sintetizava as intenções estéticas do baiano, que buscava fundir a música brasileira com o rock. Por ousar misturar o que era visto como água e óleo, Caetano foi vaiado quando cantou a canção "É proibido proibir" ao lado da banda de rock Os Mutantes em 1968. As esquerdas da época chamavam seu som de imperialista e comercial, por divulgar o gênero musical americano em terras brasileiras.

Depois do exílio, o baiano passou a ser mais aceito entre as elites culturais, e sua proposta tropicalista de hibridismo foi melhor compreendida. O tropicalismo elevou o rock a produto de alto nível, que passou a ser consumido sem culpa pelas elites culturais.

Se Roberto tornou o rock comercialmente viável, Caetano deu-lhe legitimidade estética. Se não fossem Roberto e Caetano, o Rock in Rio não seria um produto respeitável e bem-sucedido comercialmente como é. E mesmo assim nossos empresários de visão limitada parecem não reconhecer a atuação desses artistas históricos.

Alguns poderão dizer: mas Roberto e Caetano não fazem mais rock! E Alcione já fez? E Roberto Menescal? E Zeca Pagodinho? E Diogo Nogueira? Todos eles estarão na próxima edição do Rock in Rio. A exclusão é ainda mais gritante no caso de Caetano pois durante dez anos, entre 2005 e 2015, o baiano se apresentou ao lado de um power trio roqueiro, a banda Cê. Nem isso foi suficiente para ser incluído no set list do Rock in Rio, que teve oito edições neste período.

Ambos Roberto e Caetano já passaram dos oitenta anos. Estão aí, plenos e ativos, como se o tempo não cobrasse sua conta. São patronos da música nacional. Pode haver mil desculpas para que nunca tenham se apresentado no Rock in Rio. Todas corroboram o erro histórico que já dura 40 anos. Se não fossem convidados a se apresentar, ao menos Caetano e Roberto mereciam ser grandes homenageados como fundamentais que são. Só reconheceremos a contribuição destes gênios ao rock nacional quando for tarde demais?

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