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'A Pediatra', de Andréa Del Fuego, está mais para um ser humano complexo e interessante do que para um monstro

Cecília, protagonista do livro, é uma pediatra que não gosta de crianças

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Cecília, protagonista deste livro impiedoso e deliciosamente sarcástico, é uma pediatra que não gosta de crianças (nem de ser médica), só atende "quadros autolimitados e corriqueiros" porque não quer problemas e deixa o ambiente sempre muito gélido para se proteger de vírus e bactérias.

É também uma mulher que precisa de sexo tanto quanto desdenha de intimidades e que tem o hábito de observar com bastante cinismo até mesmo o homem que ama: "Um reles executivo abraçado numa pasta e na esposa de canela grossa".

Contudo, sua frieza é entrecortada por momentos em que procura o pai para ganhar um colo, se desespera quando é largada pelo amante e, por uma vez na vida ao menos, apaixona-se perdidamente por um bebê. Muito bem construída por Andréa Del Fuego, Cecília está mais para um ser humano complexo e interessante (e real) do que para um monstro. Apesar do desconforto em encarar o tal do "estranho em nós", acredito que os leitores desse livro vão se identificar muito mais do que gostariam com os pensamentos e desejos da pediatra.

Agora vem a parte da resenha que eu falo de mim, porque é impossível ler esse livro sem ter vontade de ligar para a autora às duas da manhã e gritar: "OBRIGADA". Estou muito grata, Andréa, por você ter criado essa mulher odiosa, que tira sarro das mães que acreditam ser muito superiores por darem à luz em uma piscininha de brinquedo cheia fezes; das doulas que fazem reiki em parturientes que correm risco de vida (ou que estão desesperadas por alguma analgesia) e adoram aquele papo sobre os orgasmos na hora do parto e, por fim, creem que seres que precisaram nascer de cesárea estão fora da bolha dos "olímpicos e imortais". Porque, talvez, eu e você não possamos fazer isso, mas uma protagonista detestável DEVE.

Como mulher, Cecília julga ser mais competitiva e "inédita" na cama: "Seio que criança nenhuma pisoteou até murchar, vagina nulípara, nunca posta à prova, músculo rosa, mucosa vítrea como a maçã de quermesse ["¦]". Como neo-natologista, costura a vagina da esposa do amante, depois de ela parir, desejando fechá-la para sempre.

Como profissional vingativa e competitiva, se matricula na escola de ioga Mãe Prana (de onde as grávidas saíam "prontas para se opor ao sistema médico do Itaim, sem sair do Itaim") para acabar com a vida de Jaime, o pediatra natureba que estava roubando suas pacientes: "Detesto crianças e não sou eu quem as trata, mas a medicina que estudei. Posso não me enternecer com um bebê, mas tratá-lo com mais eficiência que um Jaime ninando o neonato numa rede de crochê dentro da incubadora e evitando esteroides para não contradizer a natureza".

Por fim, como pessoa realista, prescreve uma cartela de relaxante muscular para uma mãe cansada e a aconselha: "Tome nos próximos três dias e durma, esqueça o bebê, ou ele vai crescer e se lembrar de você como uma senhora triste".

Vendida desde a contracapa do livro como uma canalha, Cecília é também uma das personagens mais apaixonantes que li neste ano.

A Pediatra

Avaliação: Ótimo
  • Preço: R$ 54,90; 160 páginas
  • Autor: Andréa Del Fuego
  • Editora: Companhia das Letras

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