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Dez anos de uma brochada

Irônicos demais para sermos felizes

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Acordo com uma mensagem no meu celular: "Parabéns! Hoje faz uma década que eu brochei com você". Tenho um ataque de riso que supera, em solidez e duração, o que este meu amigo acreditou ser, há dez anos, o meu principal desejo.

Penso naquele date fatídico e lembro o quanto fui privilegiada. Primeiro porque, como escritora com forte tendência ao humor autodepreciativo, o fracasso (meu e dos outros) me atrai mais do que o Cauã Reymond saindo de uma piscina (e olha que já tive a oportunidade de ver a cena bem de perto). Depois porque, como boa obsessiva por limpeza e organização, a transa frustrada é como um imenso salão de festas muito bem arrumado que não recebeu uma única pessoa. Triste, mas impecável.

Tem mais: enquanto milhões de mulheres espalhadas por este mundo assistiam solitárias e desafeiçoadas a um machinho alfa, sem elegância e parceria, lhes estocar as brechas do amor, eu e esse rapaz promovemos o que chamamos até hoje de "o maior concurso de galhofas e trocadilhos pós-brochada da face da Terra".

Momento após homem brochar na cama - VadimGuzhva - stock.adobe.com

Eu aplico na bolsa. Ah, é? Só se for na de sangue! Caderno brochura, livro capa dura, dureza da vida, estar duro para pagar o aluguel, a rigidez do gerente do restaurante, fazer corpo mole, dirigir até lá é moleza, morar em São Paulo não é mole não... nem era mais engraçado, mas não conseguíamos parar. Ao final, deixei ele vencer porque há delicadezas e generosidades que só temos e fazemos quando um homem legal perde dentro de você a coisa mais importante do mundo para ele: uma ereção.

Durante o banho desnecessário que tomamos, ele quis explicar. Disse que quando tentou servir o azeite do bistrozinho metido a besta na minha taça, achando se tratar de um pequeno vinho, e eu não pude travar meu deboche apesar dos dentes imensos (que ele apelidou de Mentex), viu seu membro tomar forma humana, lhe mandar para aquele lugar e sair pela porta do restaurante. Rimos tanto que acabamos concluindo que o clima de sedução tinha acabado de tomar forma humana, ia nos mandar para aquele lugar e sair pela porta da minha casa.

Se eu tentasse colocar uma música, a gente fazia piada. Se ele citasse um filósofo, a gente fazia piada. Éramos como dois abandonados, dois rejeitados, dois perdidos numa noite limpa. Unidos pela incapacidade do mistério e da lascívia. Irônicos demais para sermos felizes. Eu disse que muitas vezes perdia o intercurso, mas não perdia a piada. Ele disse que era igual. E ali ficamos, masturbando a jocosidade alheia sem descanso, hirtos de escárnio, gozando apenas da cara um do outro.

Após o banho desnecessário que tomamos, achei caído (e claro que fizemos piada com esse verbo) ao lado da sua calça um papel com uma lista de assuntos. Ele me contou que ficou com medo de não ter o que dizer a uma mulher que, segundo a sua pesquisa no Google, "falava sobre tudo" e fez uma pequena relação de temas que poderiam me interessar. Qualquer coisa, se ele travasse, iria ao lavabo do restaurante relembrar os tópicos. Eu fiz um carinho em seu rosto: "Coitado! E pensar que você fez tudo isso pra me comer", e então rimos mais um tanto.

Três da manhã já tínhamos desistido de qualquer coisa e dado entrada no necrotério da luxúria, e isso significa que já estávamos nas piadas com pum e cocô.

Respondo à sua mensagem comemorativa de dez anos: "Ótima ideia de crônica! Vamos escrevê-la a quatro mãos? Afinal, mão é o que sobrou pra você". Ele envia um longo áudio, ao qual encerra reforçando que tampouco lhe falta a língua. E assim seguimos renovando a chacota e a amizade a cada ano –e isso é melhor do que mais da metade dos paus duros que encontrei por aí.

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