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Justiceiros de Higienópolis

Quem de nós pode meter pedrinha na casa da Margarida?

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Moro em Higienópolis, a uma distância razoável da tal casa abandonada que se tornou, por causa de um podcast, o maior point de progressistas da região. A casa onde antes vivia uma mulher repugnantemente racista, que deveria ter sido presa. A casa onde hoje reside o corpo débil de uma psicótica com distúrbios severos.

É necessário discutir e combater o racismo. É necessário discutir e combater a misoginia e o preconceito contra transtornos mentais. Mas hoje eu queria mesmo é discutir e combater o justiceiro branco de Higienópolis e arredores. Esse que recalcou o passado eugenista e escravagista de seus antepassados e resolveu pegar toda a sua vergonha, sua culpa e sua obsessão por uma selfie com filtro e arremessar em uma senhora que defeca no próprio jardim e vive em meio ao lixo.

Eu vejo todos eles da minha janela. Armados de pedras e flashes, peregrinam heroicos e aos bandos em nome da verdade e da bondade. Não podem vomitar na falecida avó, que fazia cara feia e dizia que "fulano é escurinho". Não podem cuspir na foto do patriarca, que maltratava todos os funcionários, sobretudo os pretos, mas deixou um dinheirinho de herança. Não podem nem sequer admitir que eles próprios ainda não registraram "a pessoa que trabalha em casa" (acreditam que chamar alguém de "faxineira" é ofensivo, mas pagar mal pode).

Fãs do podcast de Chico Felitti passam a noite em frente à casa de Margarida Bonetti, a mulher da casa abandonada - Ronny Santos/Folhapress

Eles me fazem lembrar do Facebook, que antes de virar rede social de ignorantes bolsonaristas foi palco de algumas amigas minhas, que apelidei "carinhosamente" de fake feministas. Eu queria morrer quando elas reclamavam de fiu-fiu às três da tarde na Oscar Freire. Eu conhecia bem aquelas cidadãs e sabia que o assovio ofendia muito mais por vir da boca de um motoqueiro pobre do que por ser assédio. E sabia de tantas e tantas histórias daquelas fervorosas defensoras das leis de seus corpos. E a lei de muitas era bem clara: em um divórcio, qualquer que fosse a história, é preciso LIMPAR a conta dos caras.

Pois bem, APOSTO que justamente essa turminha está pirando com a mulher da casa abandonada e já até comprou um quartzo rosa pra tacar na janela alheia. Assim fazem um único post misturando luta social com a importância de ativar o chakra cardíaco.

Pouco tempo atrás, fui a um jantar para angariar fundos para a campanha de uma deputada preta, cujo tema era Poder às Pretas. Só tinha branco assistindo e mulher preta ​servindo. Um mês antes, dei um jantar aqui em casa. Tinha um único preto dançando na pista e três pretos na cozinha. Quem de nós pode meter pedrinha na casa da Margarida?

Outra coisa que a "branquitude zona oestense" pariu e segue alimentando: o branco de Santa Cecília que se acha menos branco que o branco de Higienópolis e por isso pode dizer: ei, privilegiado, respect! Eu tinha uma amiga santa cecilier que frequentava minha casa e escrevia projetos comigo. Um dia me avisaram: fala horrooores de você. Por quê? Porque te acha branca demais! Oi?

Certa feita, movida por um recalque fantasma que insiste em "odioinvejar" exatamente tudo o que se tornou (ou sempre foi) essa ex-amiga (que é branquíssima, leva seus cachorros para defecar no parque Buenos Aires, trabalha para um grande jornal e escreve para uma grande editora) foi pro Twitter xingar quem é branco, frequenta o mesmo parque e escreve pra grandes jornais e grandes editoras. Movido pela inversão histérica do intelectual de verniz que brinca de justiceiro social quando na verdade é obcecado pela autopromoção, tem branco que quer se apropriar do termo "passabilidade social" negando a própria existência.

A casa abandonada, meu amigo, é você. Sou eu, são meus amigos, são os apedrejadores. Nossos discursos são furados, são deprimentes, são ridículos. E tem mais: se você é fofo durante o dia e viciado em "true crime" à noite, tem que ver isso aí.

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