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Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

Carta aos homens

A masculinidade a partir do lugar de fala de uma mulher

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Quem imagina que lugar de fala significa que só mulheres podem falar sobre mulheres, ou só pintores podem falar sobre pintores, tenho o dever de informar que ouviste o galo cantar, mas não sabes onde. Lugar de fala diz respeito a deixar claro de saída de que lugar você está falando sobre qualquer assunto, caso contrário tratar-se-ia de, desculpem o uso de licença poética que tem circulado, "lugar de cala". Dito isso, é como mulher, ou melhor, uma mulher —no singular, pois não há como representar "As" mulheres— que me dirijo aos homens.

Tive três irmãos homens —dois morreram jovens— com quem aprendi a amar, me defender, a brincar sem frescuras, a ter com quem contar para tudo. Aprendi também que eles podiam se safar dos trabalhos domésticos, tinham liberdade de ir e vir, liberdade (hetero)sexual, maiores chances e melhor remuneração profissional, podiam escolher ter uma carreira ao invés de casarem, possibilidade de viajar e morar sozinhos, enfim, que eles eram absolutamente privilegiados quanto a direitos e deveres.

Freud que me desculpe, mas a inveja do pênis nada mais é do que a tentativa equivocada das mulheres responderem ao descalabro dessa desigualdade injustificável. "Deve ser essa coisa pendurada aí", "quem dera eu tivesse nascido com essa mínima diferença", se consola a menina, ao tentar responder à arbitrariedade social. Homens são a medida de tudo, nomeando à própria espécie humana —o Homem—; mulheres são coisa da natureza, amorfa, inquietante buraco de onde saímos.

Obviamente esses discursos sociais têm seu preço do lado masculino também e os que não podem reconhecê-lo são os que mais o pagam. A liberdade de ocupar o espaço público que os homens têm de saída é oferecida ao preço da liberdade de acessarem seu mundo interno, terem seu afetos reconhecidos e aprenderem a se cuidar emocionalmente.

Quando somos meninas e temos um problema, ouvimos: "Você está triste, o que houve?" "Não precisa sentir ciúmes, mamãe/papai está aqui". Meninos escutam "Esquece isso e vai brincar". Nem vou entrar no mérito do corriqueiro "menino não chora", "você parece um maricas" e outras violências que eles sofrem, pois me interessam aqui as inúmeras formas sutis de promover atos irrefletidos e a negação dos afetos masculinos.

A ferramenta mais básica para a saúde mental, qual seja, reconhecer e nomear os afetos e poder compartilhá-los com outros é fornecida à mulher e interditada ao homem comum. Enquanto mulheres lutam para circular no mundo sem serem constrangidas, estupradas e mortas, homens se atrapalham, piram ou se tornam violentos diante dos afetos, revelando fragilidades sistematicamente negadas.

Claro está que há os que têm convicção em sua superioridade masculina e os que a questionam, olham para dentro, reconhecendo que a mínima diferença é física —criteriosamente elencada diante de uma mar de igualdades—, mas jamais de mérito ou de direitos. Obviamente o primeiro grupo de homens é o mais frágil e intrinsecamente violento ao tentar sustentar o insustentável. O segundo é dos homens que amam mulheres e, portanto, a própria humanidade. Sem paternalismo, superproteção ou controle, usufruem dos prazeres que a mínima diferença pode proporcionar a ambos.

Existe também um terceiro grupo crescente o qual, diante de perdas afetivas, familiares, de saúde física e mental, se vê compelido a repensar sua masculinidade nociva e o faz a duras penas.

Para esses, dou as boas- vindas.

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