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Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Coronavírus

Como encarar tudo de novo?

Repique da onda requer coragem moral renovada

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Em março deste ano fui entrevistada pelo queridíssimo Mario Sergio Conti em seu programa Diálogos (Globonews). Ali, no calor de um inédito “lockdown”, tentávamos lustrar a bola de cristal fazendo apostas sobre o que nos aguardava nos próximos meses.

A dedução era simples —hoje vejo, simplista—, a Europa somos nós amanhã. Europeus entraram em isolamento e sairiam em poucos meses, pois havia uma curva, portanto, nós também sairíamos.

Isso nunca aconteceu. Não chegamos a fazer um verdadeiro isolamento, pela dezena de razões que bem conhecemos. Campanha presidencial anticiência; rodízio, ausência e, por fim, qualquer coisa no lugar do ministro da Saúde; situação insustentável das periferias sem água, espaço e salários para poder se isolar; irresponsabilidade de uma classe média que se acha alta e de uma classe alta que se acha imortal porque tem acesso ilimitado à UTI.

Se as previsões foram erroneamente otimistas quanto a administração da crise sanitária, o mesmo não se pode dizer dos alertas que fizemos sobre os cuidados com a saúde mental através de incontáveis lives, reportagens e atendimentos. Tampouco carregamos nas tintas ao revelar nosso pessimismo quanto ao aperfeiçoamento da sociedade diante do caos.

A humanidade, é sabido, nunca foi grande coisa, e evolução não é uma boa palavra para designar a espécie que domina o planeta enquanto o destrói vorazmente. Estamos para a Terra como o vírus está para nós, com a diferença que acabamos de criar uma vacina contra ele e, contra nós, só nós mesmos.

Se não entramos propriamente em “lockdown”, tampouco chegamos a viver algum momento de normalidade nesses dez meses de anúncio da Covid. Nesse sentido, trata-se de repique, e não segunda onda, mas o último termo soa mais midiaticamente inteligível. Continuamos na onda, sem nunca termos tirado a cabeça de dentro da água, digamos.

Das previsões que se confirmaram, o adoecimento psíquico continua a ser uma constante com sujeitos mais exaustos, mais tristes, mais angustiados, mais violentos, ainda que, mais adaptados.
No início, a ideia de lutar pelo bem comum nos enchia de amor próprio e justificava o autossacrifício.

Agora, a sensação de ser o único a abrir mão de algo se impõe. Crianças sem escola, adultos atolados de trabalho ou sem ele e a sensação de culpa de abusar das saídas, disfarçada por um “não aguento mais”, somam-se à certeza de que fracassamos no teste de cuidar mais do bem público do que do privado.

Mas deixar-se levar por uma lógica derrotista é ser conivente com o pior do qual nos queixamos. É fato que somos intrinsecamente violentos e que a humanidade não tem solução definitiva. Mas é fato também que, por isso mesmo, gestos de generosidade, solidariedade e amor são admiráveis.

Nossos atos são fruto de escolhas éticas pelas quais somos inteiramente responsáveis —mesmo os inconscientes— e seu valor está justamente em não serem dados pela natureza. Mas, se são, por um lado, de nossa inteira responsabilidade, não deixam, paradoxalmente, de se relacionarem com o ambiente que cultivamos à nossa volta, ao qual sempre reagimos por ação ou omissão. Se não somos capazes de mudar nossa tendência destrutiva, podemos, no entanto, lutar por uma sociedade que não faça da violência seu slogan e que valorize o cuidado de si e do outro. Diante do recrudescimento dos desafios, algumas decepções, e novos sacrifícios, só nos resta renovar votos no que tivermos de melhor. Respira fundo e vai. De máscara!

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