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Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

Um ano na vida de uma criança

Isolamento pela pandemia faz aniversário e testa nossa sanidade

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Tomás e Anita tinham 5 e 8 anos, respectivamente, em março de 2020, quando foram informados de que não poderiam ir à escola presencialmente. Tampouco poderiam ver avós, amigos, vizinhos, ir a parques, restaurantes, cinemas, enfim, sabemos do que foram informados.

Trata-se de crianças que têm casa, comida e internet suficiente para frequentar a famigerada escola virtual. Os pais fazem rodízio trabalhando em home office, acompanhando as aulas das crianças, cozinhando, fazendo faxina —a funcionária não entra no apartamento há exato um ano.

Mal as crianças começaram a se animar com a volta das aulas, tiveram que retornar à toca. A escola, que antes “tinha que ir”, passou a ser tão ansiada, que a segunda proibição foi sentida como grande perda e consequente tristeza. Alguns amiguinhos ficaram pelo caminho, pois a virtualidade não ajuda a manter contatos.

Crescer e aprender é a tônica do relato deles —Tomás aprendeu a ler, Anita passou a ler “livros sem desenho”— e ficou claro que bater um longo papo sobre esse triste aniversário nos permitiu organizar um pouco da dura realidade.

Ambos fazem parte da geração que ficará marcada pela experiência da pandemia mas, ao contrário do que imaginam alguns pais, não ficará, necessariamente, traumatizada. Sofrer está na conta. O trauma acontece quando não conseguimos dar um destino melhor para o sofrimento e acabamos por adoecer.
Não podemos comprar o slogan, que move o capitalismo, de que os bens materiais seriam capazes de aplacar angústias humanas. Tampouco podemos ignorar que esse mesmo capitalismo tritura a maioria da população, que mal tem tempo de se escutar, premida pela sobrevivência. Quando se fala de qualquer cidadão neste país, faz-se necessário colocar a tachinha no mapa social, pois vivemos realidades paralelas em função da classe, do gênero e da raça. Contradições de um país estruturalmente polarizado.

Segundo pesquisa realizada pela PUC Minas em parceria com a ChildFund Brasil, temos 4,8 milhões de crianças brasileiras em situação de extrema pobreza. Para essas crianças, o Estado e a escola —o principal dispositivo de proteção da infância a médio e longo prazo— são a única esperança. Mas o Estado é uma máquina que só funciona a partir da pressão da sociedade civil e as escolas, por sua vez, ainda vivem a polêmica sobre as condições de se manterem abertas fora da fase roxa.

O (des)governo atual é responsável por centenas de milhares de mortes por Covid —evitáveis com uso de máscaras, com o isolamento e com a vacinação—; responsável pela fome das famílias sem auxílio emergencial e pela incapacidade, que incrementou o impacto da pandemia na economia, agravando miséria e morte. Nós, por outro lado, somos responsáveis pelo governo que escolhemos para gerir esse Estado. Não em 2018, época da eleição, mas hoje, passados dois anos.

Anita conta que nesse ano aprendeu o que é direita e esquerda em política. Não tivemos tanta sorte com parte da população, cuja mentalidade parece ter sido forjada por filmes de bangue-bangue e de espionagem durante a Guerra Fria. A manifestação de apoio ao governo neste domingo é a prova cabal de nossa insistência deliberada e histórica de ignorar a fome e o absoluto desamparo de grande parte da população.

Torço pela sobrevivência física e mental de todas as crianças que, embora não sejam nossos filhos, estão sob responsabilidade da nossa geração.

Acima de tudo, torço para que o diabo carregue este governo para o inferno. É o que temos no momento.

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