Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

Para fazer essa limonada

Como encarar a virada de um ano que parece nem ter começado

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O bicho humano, desde que adquiriu a capacidade de refletir, está condenado a administrar o tempo. A forma como lidamos com o antes, o durante e o depois é arte que levamos a vida tentando aprender.

O sujeito preso no passado terá a melancolia como companheira, acreditando que antes tudo era melhor, incapaz de viver o momento presente ou de projetar algo de bom no futuro.

Já o fissurado no agora não aproveitará o legado da experiência e será sempre pego de surpresa pelo que vem. Quem, por outro lado, opta por viver no futuro, tentando prevê-lo, torna-se um poço de ansiedade.

É fácil observar como as crianças são mais propensas a estar no presente, jovens mal conseguem esperar o amanhã e velhos buscam sentidos e respostas em suas memórias.

Nossa cultura não é boa conselheira na administração do tempo: amaldiçoamos a passagem dos anos, buscamos um platô de felicidade no futuro que nunca chega e somos quase incapazes de estar no presente —quem medita que o diga.

O Ano-Novo é a comemoração coletiva mais emblemática da nossa relação com o tempo. Ele nos convida a fazer uma retrospectiva, a projetar metas, enquanto nos impele a curtir a festa ao máximo, pois o prazer —sempre episódico— só se dá no aqui e agora. Espécie de ritual no qual os tempos do homem dialogam, essa data costuma ser mais palatável do que o Natal.

Na passagem de 2019 para 2020, tive um dos meus fins de ano mais memoráveis. Em outro país, na companhia desejada, brindei a virada do ano dentro de um táxi, enquanto tentávamos chegar ao destino combinado. Momento epifânico, fruto da graça diante do imprevisto e da aposta renovada em enfrentar os desafios de 2020.

Estávamos antes das 200 mil mortes por Covid-19. Não tínhamos como adivinhar a pandemia, nem sua calamitosa administração.

Passados dez meses, traumatizados e exaustos, prevemos a continuidade da experiência de isolamento e a posição de lanterninhas mundiais na administração da vacina.

Mas é aqui que o imponderável pode nos ajudar. Por mais que desconfiemos do que nos espera, de fato nada sabemos. Não saber o que acontecerá abre espaço para o risco de termos surpresas positivas. Como os memoráveis encontros que este ano nos obrigou a promover, criando laços inéditos.

Se não sabemos o que virá, devemos refletir sobre o que aconteceu neste fatídico ano.

Aqui o acerto de contas tem vários níveis. Em termos coletivos fracassamos, lutando mais entre nós do que contra a ameaça comum.

Aqueles que tiveram um ano particularmente bom, contrariando as expectativas, nem por isso se sentiram leves cientes do horror a sua volta. Quem não sofre vivendo em um país desgovernado só pode estar levando alguma vantagem com o sofrimento alheio.

Mais do que nunca, devemos lembrar do esforço hercúleo dos que se posicionaram contra o negacionismo, a violência e a injustiça ao mesmo tempo em que cuidavam de suas vidas e da vida dos seus. Não todos, mas aqueles que merecem passar essa noite em nossos pensamentos foram corajosos, magnânimos e incansáveis.

O que nos espera em 2021 é uma mistura do que estamos passando, com o imponderável que está por vir e a nossa decisão particular de lidar com tudo isso.

No ano em que todo dia foi “dia da marmota”, datas que servem para refletirmos sobre o que fazemos com o nosso tempo são absolutamente necessárias. A aposta em 2021 é o posicionamento político mais promissor do momento.

*

Aproveito para avisar que tirarei duas semanas de férias e retorno em 19 de janeiro.

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