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Descrição de chapéu Tragédia em Brumadinho

Milhares ligados às vítimas de Brumadinho devem precisar de atenção psíquica

Famílias que não encontraram entes queridos têm mais risco de transtornos mentais

Familiares e amigos de Francis Marques da Silva, 34, se emocionam em seu velório, em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte - Eduardo Anizelli/Folhapress

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São Paulo

Depressão, ansiedade, consumo excessivo de álcool e ideias suicidas estão entre os sintomas esperados em familiares, amigos e colegas de trabalho das vítimas da tragédia de Brumadinho (MG).

No desastre de Mariana, região central de Minas Gerais, em que 19 pessoas morreram e ecossistemas foram contaminados com rompimento da barragem do Fundão, 12% dos afetados ainda sofrem de estresse pós-traumático, segundo estudo da UFMG. Entre crianças e adolescentes, o índice chegou a 83%.

Quase 40% dos jovens têm sinais de depressão e 26% apresentaram comportamento suicida. Entre os adultos, o risco de suicídio foi identificado em 16,4% das pessoas.

Segundo o psiquiatra Frederico Garcia, um dos coordenadores do estudo, o grupo esperava encontrar em Mariana, três anos depois da tragédia, uma prevalência de doença mental um pouco acima da média da população geral.

“Mas o que encontramos foram valores de 3 a 12 vezes mais altos. Apesar de o trauma ter passado, ainda restava algum fator estressante, como a falta de resolução do problema inicial, visto que a Samarco até hoje não solucionou o problema de assentamento e indenização.”

Segundo o psiquiatra Rodrigo Martins Leite, diretor dos ambulatórios do Instituto de Psiquiatra do Hospital das Clínicas de São Paulo, considerando que agora em Brumadinho são mais de cem mortos confirmados e mais de 200 desaparecidos, com remotas chances de serem encontrados com vida, o esperado é que, no mínimo, 2.000 pessoas devam precisar de atenção psíquica continuada. 


“Não é só agora no calor dos holofotes da mídia. É necessário um acompanhamento durante meses e até anos. Os efeitos deletérios para a saúde mental podem persistir para a vida toda”, diz o o psiquiatra Rodrigo Martins Leite, diretor dos ambulatórios do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Segundo ele, o país precisa de uma política pública focada em saúde mental para situações de urgência e emergência. “Até pelo desastre de Mariana, o poder público deveria ter entendido aquela região como área de risco e com isso ter promovido uma capacitação dos profissionais de saúde. É mais barato e mais efetivo do que agora ‘importar’ profissionais de fora, que não têm afinidade com a região, vínculo com as pessoas e que daqui a pouco vão embora.”

Para Frederico Garcia, famílias que estão sendo impedidas de materializar a morte de seus entes queridos em Brumadinho, pela impossibilidade de encontrar os corpos, poderão desenvolver lutos patológicos e com isso, ficarem mais predispostos a transtornos mentais.

Na opinião da psicóloga Maria Helena Franco, professora da PUC-SP, fazer o funeral é uma etapa fundamental para começar a elaborar o luto.

“Na falta dos corpos, fica um luto não concretizado, que não se materializa na vida das pessoas. Abre lugar para uma expectativa, uma esperança de que a pessoa poderá ser encontrada viva”, diz ela.

Uma forma de ajudar as famílias enlutadas seria a realização de cerimônias em que os nomes das vítimas sejam ditos. “Os familiares precisam ser chamados a participar para que tenham muito clara a realidade do que está acontecendo.”

Garcia defende que, em casos de catástrofes desse tipo, o estado fomente a realização de estudos de avaliação da saúde mental das pessoas atingidas, de forma que se tenha uma linha de base para planejar as estratégias de prevenção e abordagem de transtornos mentais e dependências químicas.

Moradores de Casa Branca rezam terço em homenagem as vítimas da barragem de Brumadinho - Eduardo Anizelli/Folhapress


Estudos com esse perfil serviriam para quantificar e agrupar, segundo o risco, as pessoas mais propensas ao desenvolvimento de transtornos mentais às estratégias mais eficazes para tratamento, e aquelas com menos risco, a um acompanhamento preventivo.

“Até o momento, pelo que sabemos, a Vale não tomou nenhuma medida que avalie o sofrimento mental dessas pessoas e iniciou abordagens que a nosso ver são pouco eficazes na prevenção de sofrimento mental futuro”, diz Garcia.

A empresa afirma que mobilizou 400 pessoas para prestar assistência aos atingidos pelo rompimento da barragem em Brumadinho, incluindo médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e voluntários. Segundo nota da Vale, o apoio é oferecido na Estação do Conhecimento e outros pontos de atendimento, incluindo o IML.

Outro aprendizado da tragédia de Mariana, segundo o psiquiatra, tem a ver com a leniência e o tempo entre o evento traumático e a abordagem indenizatória, compensatória e jurídica.

“É um fator importante da manutenção do sofrimento mental das pessoas atingidas. Esperamos que as autoridades responsáveis e a Vale não procrastinem os processos e ritos jurídicos. Isso será um fator importante para a resolução do estresse e do sofrimento das pessoas atingidas.” 

 

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