Sem renda e moradia, famílias invadem imóveis abandonados no centro do Rio
Um dos locais ocupados é dividido por 15 famílias, com 56 crianças; prefeitura diz que irá atualizar demandas
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Acostumada a trabalhar com o marido nas portas de boates e de locais como o Maracanã, a ambulante Thaís Cristina Nascimento, 29, viu sua renda secar com a pandemia do novo coronavírus e a consequente suspensão de eventos.
O casal, que morava na Baixada Fluminense, já não teve mais condições de cuidar dos quatro filhos e três enteados e pagar o aluguel de R$ 750. Sem opção, desde maio Thais e o marido vivem com os sete, com idades entre um mês e 15 anos, em uma invasão no centro do Rio.
Assim como essa família, outras que perderam suas rendas e casas durante a pandemia também passaram a morar em ocupações da cidade.
Prédios velhos e abandonados têm servido de abrigo para quem já não têm mais a quem recorrer. Os desabrigados da pandemia se dividem entre novas e antigas invasões.
Thaís e outros ambulantes ocuparam um prédio abandonado na avenida Marechal Floriano em maio. O imóvel de três andares, sem água encanada e com luz por meio de um gato, chegou a abrigar 14 famílias, com 22 crianças.
“Minha casa tinha dois quartos, sala, cozinha, banheiro e até terraço. Mas, com a pandemia, não conseguimos mais ganhar dinheiro. Teve dia que faltou leite para meu filho de um ano. Não tinha como pagar o aluguel e comprar comida”, disse Thaís.
A ambulante, que foi grávida para a ocupação, ainda não conseguiu registrar o caçula de um mês por não ter comprovante de residência. “Tive meu bebê na mesma maternidade que ganhei minha outra filha de oito anos. No papel que o hospital me deu, consta meu endereço daquela época que já não tenho mais como comprovar”, disse ela, que conta com o auxílio emergencial do governo federal para sobrevivência. O dinheiro chegou quando ela já estava na ocupação.
Segundo os moradores, o lugar –que parecia ser uma padaria antes de abandonado– tem apenas um vaso sanitário em funcionamento. Há um fogão e a alimentação é feita de forma comunitária. Não há camas nem móveis, os dormitórios são improvisados em colchões espalhados pelo chão entre entulhos de obra.
Também da Baixada Fluminense, a costureira Pamela da Silva, 32, foi morar na ocupação com o marido e os dois filhos, de seis e nove anos, depois de perder tudo o que tinha na pandemia.
“Eu morava em uma casa na beira de um valão. Na última chuva forte, perdi tudo o que tinha em casa. Meu marido trabalha como catador de reciclável e não estava conseguindo trabalho por causa da pandemia”, disse.
Ela recebe R$ 1.200 mensais, provenientes do auxílio emergencial e do Bolsa Família, e disse que o valor é insuficiente para pagar aluguel, sustentar as crianças e repor o que perdeu em casa.
“Vivo com medo de ter que sair daqui de uma hora para outra, não posso ficar na rua com os meus filhos”, afirmou.
A professora Rosangela Damasceno, 59, também buscou abrigo na ocupação. Antes da pandemia, ela trabalhava vendendo sanduíches e lanches em feiras. Como a atividade nas praças chegou a ser suspensa pela prefeitura, ficou sem clientes.
“Estava morando em um quarto com banheiro em uma comunidade. Consegui negociar o aluguel por R$ 300 ao mês. Mas não tive como pagar, meu auxílio emergencial demorou a sair. Esse dinheiro também não dá para eu pagar o aluguel e me alimentar.”
Na última quinta-feira (13), as famílias de Thais, Pamela e Rosangela tiveram problemas com pessoas alcoolizadas na ocupação e foram para outro imóvel no centro, na rua Ramalho Ortigão. A invasão, que foi iniciada em janeiro, tem recebido famílias sem destino durante a pandemia.
“Tenho seis filhos pequenos. Se eu não ficar nessa ocupação, vamos morar na rua. Tenho muito medo de perder minhas crianças”, diz a ambulante Ingrid Soares, 28, que divide um colchão de casal com seis filhos num dos barracos de madeira montado no local.
Já Kelly Ambrósio, 38, diz que o local tem 15 famílias, com 56 crianças. “Não deixamos ninguém na rua. A ocupação só tem crescido depois da pandemia”, afirmou.
O ativista social e ex-morador de rua Léo Motta foi procurado por moradores da ocupação que pedem ajuda para serem inseridos em projetos sociais. “A rua é casa de muitos, mas não deveria ser de ninguém. Há poucos meses, novos rostos estão chegando. São pessoas que, recentemente, perderam a renda e seus endereços. E por falta de políticas públicas como aluguel social e abrigos acabam em ocupações”, disse.
De acordo com Motta, muitas vezes, as ocupações são ambientes insalubres: “Eles dividem o espaço com pessoas que nunca viram antes, com ratos e baratas. Falta tudo, alimentos, roupas, documentação e até atendimento médico. A fome não é só de comida, mas também de oportunidades.”
A Prefeitura do Rio informou que mobilizou equipe do Cras (Centro de Referência de Assistência Social) para os dois prédios.
Sobre o imóvel na Marechal Floriano, segundo a prefeitura, não havia ninguém no local quando a equipe foi ao local na sexta. Ainda de acordo com a prefeitura, o que existe no endereço são pessoas em situação de rua que ficam diariamente em frente ao prédio fechado. No entanto, segundo os moradores da ocupação, durante o dia, eles saem do imóvel para trabalharem nas redondezas.
No imóvel da rua Ramalho Ortigão, a prefeitura disse que identificou a ocupação, com 30 famílias. “A ocupação tem nove meses de existência, e dos residentes, três famílias possuem Cadastro Único e recebem auxílio emergência”, informa a nota do município. A prefeitura disse ainda que 20 famílias foram convocadas para atendimento social.
“As famílias identificadas estão em situação de extrema pobreza, e a ocupação é composta em sua maioria por migrantes de outros bairros em busca de alternativas de trabalho, e sem condições de autoprovisão”, diz outro trecho da nota.
A Folha não conseguiu localizar os proprietários dos imóveis. No prédio da rua Ramalho Ortigão já funcionou uma tradicional papelaria do Rio, desde 1893, mas que fechou as portas em 2017.
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