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Látex, chicote e couro: festa de fetiches atrai dominadores e submissos em SP

Prestes a completar 17 anos, Projeto Luxúria instiga expressão dos desejos enquanto veta sexo

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São Paulo

Casal em brilhosas roupas de látex chegava às 14h de sábado (12) ao número 710 da rua Aurora, na região central de São Paulo. O desfile da dupla atraiu olhares. Pujante, ela ia à frente. Dócil, ele religiosamente seguia atrás. "Finalmente um homem ciente do seu lugar. Onde encontro outro assim? Até pago", disparou a autônoma Renata Fontes, 36, enquanto varria a calçada.

Os insólitos personagens eram Madame Fermans, 32, e Casper, 39. Dominadora e submisso, eles são há anos frequentadores do Projeto Luxúria, festa de fetiches considerada a mais tradicional do país e operante naquele endereço.

O prelúdio do evento pode não ser tão convidativo. Adentrando edifício avelhantado em manutenção, visitantes devem enfrentar longa e escura escadaria até o salão principal. Este, mais atrativo, recheado por amálgama de corpos em várias cores e formas. Todos transpirando volúpia.

Harleen, 36, recebe chicotadas de Jack, 59, no fumódromo do Projeto Luxúria, na região central de São Paulo - Karime Xavier/ Folhapress

Ao deixar o primeiro ambiente, que tem ainda um tripé para interessados em serem perdurados com uso de algemas, há uma piscina. Repentinamente, surge um cinema com estofados em vermelho-vivo. Nele, Pedro Goldman, 28, foi mumificado em plástico industrial. O homem, trajando jockstrap —cueca a deixar a bunda à mostra— e disfarce canino, mantinha-se plácido. Mesmo com dificuldade para respirar.

Guto Lemos, 42, foi o autor do embrulho. Ele atua como DJ na congregação, engolfada nos anos 1980. No sábado, o profissional escondia o rosto sob máscara de gás, e o restante de si em conjunto de couro. Terminada sua diligência em Pedro, sentiu ainda faltar algo. Tateou seus equipamentos e sacou uma corrente. A envolveu no pescoço do outro e, puxando, ambos chiaram satisfeitos.

Mais escadas pela frente. Há um segundo andar. Cabines privativas à direita, aconchegante quartinho à esquerda. Ao centro, um sofá. Lá, Madame Fermans estava com Casper. Ela pisava, estrangulava e cuspia. Ele suspirava, ajoelhava e agradecia.

Outro cliente, conhecido como Lorde Joker, 39, chegou para apreciar a cena. "É fantástico ter um lugar onde, sem julgamento, você pode ser o que quiser, pode libertar seus instintos", disse o então voyeur.

Boas ilustrações para a declaração do esguio indivíduo pipocavam. A poucos metros dali, um homem estava travestido de boneca. Sua parceira, cheia de plumas, lhe oferecia os pés. Observadores se deleitavam.

O Projeto Luxúria é realizado mensalmente em São Paulo desde 2006 com centenas de presentes. No próximo sábado (19), completa 17 anos. A celebração será tematizada em um colégio. Uniformizados terão desconto no ingresso. Desavisados, segundo a organização, pagarão mais caro.

Poucas normas devem ser observadas para transitar naquelas dependências. Sexo explícito é proibido, ao menos até onde pode-se enxergar. Além disso, não é permitido escatologia nem uso de drogas.

Conquanto seja vendida como a festa de todos os fetiches, o BDSM –conjunto de práticas consensuais envolvendo disciplina, dominação, submissão e sadomasoquismo– é mais comum no espaço. Chicotes estão sempre estalando. Cuidado é necessário para sair ileso, mas por vezes insuficiente. Sorrateiramente, o apetrecho aparece.

Um dos mais perigosos pertencia a Jack Napier, 59. No fumódromo, agraciado com uma vista do centro da capital paulista, ele desferia golpes na genitália de Harleen, 36. Esta gargalhava. Houve curta pausa. O homem afirmou serem os sopapos no "capô" a forma de chegar mais rapidamente ao orgasmo feminino. Alvoroçado, prosseguiu. Dos prédios vizinhos saíam gritos e aplausos.

O rei dos fetiches

Dentre as dezenas de tatuagens pelo corpo de Heitor Werneck, 56, fundador do Projeto Luxúria, uma é destaque. Em letras garrafais, o termo "fodedor" está grafado no meio de seu abdômen. Ao ouvir comentário sobre, sorri. "Pois é, gostou?"

Caminhando pelos recintos, ele esbanja simpatia. De abraço em abraço, gasta seu tempo. Quando percebe, já está atrasado para outro compromisso. Educadamente, tenta escapar. Não consegue. "Heitor é muito amado. Somos uma família", diz Morgana Marone, 49, uma das estrelas da dominação no Brasil.

Heitor Werneck, 56, criador do Projeto Luxúria - Karime Xavier/ Folhapress

Heitor frequenta a cena fetichista desde meados dos anos 1990. A bagagem lhe rendeu a alcunha de rei, a qual expõe com tímido orgulho. Outro de seus apelidos é Toy (brinquedo, em inglês). Este ligado ao propósito de prazer do homem: ser utilizado como um vibrador ambulante.

Ter uma festa foi um sonho por muito tempo gestado. Desejava unir todas as tribos em um só local de celebração. Quase conseguiu. "Os gays boicotam o Luxúria por ter mulheres. Acredita? É o cúmulo do ridículo. A misoginia da comunidade é escancarada", relata Heitor, homossexual.

Ele sabe que isso é algo a ser combatido. "Vivemos em um país moralista. Todos têm seus desejos, mas medo ou preconceito de vivê-los. Sou um ser do fetiche. Acordo e durmo neste mundo. Desejo ter a liberdade para isso e proporcionar o mesmo para meus iguais. É algo ruim?"

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