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Descrição de chapéu violência

Tarcísio prometeu apoio e nunca mais apareceu, diz mãe de soldado da Rota morto em Guarujá

Morte de Patrick Bastos Reis deu início à Operação Escudo; OUTRO LADO: governo de SP diz que indenização foi paga de acordo com ordem de sucessão estabelecida pelo Código Civil

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São Paulo

"O senhor se lembra de mim?" Essa seria a pergunta da corretora Cláudia Reis, 54, ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) caso o encontrasse, ela afirma. Cláudia diz que esteve frente a frente com o chefe do Executivo estadual apenas uma vez, no enterro de seu único filho, o soldado da Rota Patrick Bastos Reis, 30.

Um ano se passou, e os problemas financeiros e emocionais de Cláudia e do marido, Carlos Reis, 56, só aumentam, ela diz. O casal vive de favor na casa do ex-sogro do policial, em uma cidade no interior de São Paulo (a família pediu para que o nome do município não seja divulgado). O choro contrasta com a alegria de estar perto do neto, um menino de três anos, fruto do primeiro casamento de Reis.

Cláudia diz que, no dia do sepultamento do filho, morto durante um patrulhamento em Guarujá, na Baixada Santista, em julho de 2023, o governador segurou sua mão e a do pai do soldado e disse que ajudaria ambos.

"Procurei ele no Instagram. Enviei mensagens no direct [privadas], mas não tive retorno", conta. Assim como Tarcísio, o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, ex-integrante da Rota, também foi procurado, afirma Cláudia, mas não respondeu.

Soldado Patrick Bastos Reis posa para foto ao lado dos pais, Cláudia e Carlos - Arquivo pessoal

Horas após a confirmação do assassinato de Reis, o governo deflagrou na Baixada Santista a Operação Escudo, que em 40 dias deixou 28 mortos. Para a mãe do soldado, a ação não poderia ter ocorrido. "Eu sou contra, sou contra principalmente eles terem usado o nome do meu filho para aquilo. Porque eles atribuíram a Operação Escudo ao nome do meu filho", diz Cláudia à Folha.

A mãe afirma ainda que, assim como o estado, nenhuma entidade de direitos humanos os procurou após a morte de Reis.

Cláudia conta que ela e o marido, que trabalha na área da construção civil, atuam como autônomos e juntos têm uma renda de cerca de R$ 1.600 por mês. Reis estava casado havia menos de um ano quando morreu.

Cláudia diz ter procurado a nora na tentativa de conseguir ajuda, mas que não recebeu resposta. A reportagem não conseguiu localizar a mulher do soldado.

A corretora diz que pensou que poderia ter algum auxílio pela morte do filho, mas por ser casado esse benefício foi enviado à viúva. Os R$ 100 mil que teriam sido doados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) também teriam ficado restritos à mulher e ao filho do policial. Cláudia afirmou não ter recebido nenhum centavo do montante.

"Eu só fui pedir ajuda para ela porque nós realmente precisávamos. O meu marido entrou numa depressão tão profunda que eu achei que fosse perder ele também. E como nós dois somos autônomos, não tínhamos a quem recorrer."

A reportagem procurou as secretarias de Comunicação e da Segurança Pública e a Polícia Militar. Em nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) diz que, "em relação à indenização, ela foi paga de acordo com a lei estadual nº 14.984 e conforme a ordem de sucessão estabelecida pelo Código Civil".

"A Polícia Militar lamenta profundamente a morte do soldado Patrick Bastos Reis, que perdeu a vida defendendo a população", acrescenta a nota.

A lei estadual diz que o pagamento de indenização, no valor de até R$ 200 mil, pode ser feito aos herdeiros da vítima, neste caso o descendente e a cônjuge, de acordo com o Código Civil.

A mãe afirma que Patrick sempre se deslumbrou com a carreira militar. Ela conta que certo dia, quando estava no Exército, trabalhando no Rio de Janeiro, ele tirou uma folga e foi a São Paulo. Encontrou com policiais da Rota e posou para fotos com eles. "Naquele dia ele colocou na cabeça que queria ser policial em São Paulo, que queria ser da Rota."

As provas para a Polícia Militar paulista foram feitas sem aviso à família —apenas a avó sabia, já que os pais eram contra. O ingresso na PM ocorreu em 2017.

"No dia do velório dele eu falei para o comandante que fiquei mais tranquila depois que o Patrick entrou para a Rota porque, na minha concepção, o policial da Rota não morria nunca. E aí o comandante me disse: 'o seu filho quebrou uma estatística'."

Mais promessas não cumpridas

Era noite de quinta-feira, 27 de julho. Cláudia e o marido Carlos estavam no interior com o neto. O menino já tinha ido dormir, quando um familiar da ex-esposa do PM chegou à residência para dar a notícia.

O casal estava a 600 km da capital. A informação era de que um helicóptero da PM seria disponibilizado para a viagem. A aeronave não apareceu, assim como a viatura da corporação prometida num segundo momento. O transporte só foi possível com o auxílio do prefeito da cidade, ex-sogro do PM Reis, que disponibilizou um veículo.

"No dia do enterro, o governador do estado prometeu para mim e para o meu esposo que ele não iria nos desamparar. E naquele dia foi a última vez que eu tive notícia dele. Depois disso, nunca mais", afirma Cláudia.

Outra situação que a entristeceu, diz a mãe, foi a imposição do local do enterro. Para ela, o filho deveria ser sepultado em Santa Maria (RS), ao lado do avô e onde mora a avó que ajudou a criá-lo. Agentes, no entanto, disseram à família que seria obrigatório o enterro no mausoléu da PM no cemitério do Araçá, na zona oeste de São Paulo. Algo que, depois, ela descobriu não ser verdade.

"Eu tive que chorar, implorar para escolher a foto da lápide dele, porque nem isso queriam me deixar escolher", diz.

Segundo a Polícia Militar, a oferta do mausoléu é uma forma de homenagem aos que morreram em decorrência da função, mas seu uso não é obrigatório.

Mensagem que Patrick Reis deixou na casa da avó, que mora no Sul - Arquivo pessoal

De acordo com Cláudia, o único auxílio que recebeu do governo do estado foi um apoio psicológico pelo curto período de três meses. Tudo de forma virtual.

Os pais do soldado contam que deixaram Florianópolis com a intenção de ficar perto do filho e chegaram a São Paulo em julho de 2022. Por dois meses eles viveram no mesmo apartamento do filho, e depois alugaram outro imóvel no mesmo prédio. Como não se adaptaram à rotina da capital, seguiram para o interior, onde estariam próximos do neto.

Cláudia diz que hoje um dos seus objetivos é conseguir ajuda para tirar do papel o projeto Família de Anjos, que reuniria voluntários dispostos a dar suporte jurídico e psicológico. "Não apenas a parentes de policiais, mas a todas as pessoas que sofrem com a morte de alguém."

Mas o maior desejo dela é visitar a mãe, que não vê há mais de um ano.

"Quero ainda colocar o filho do meu filho nos braços da minha mãe. Ela não o conhece. Era o sonho do Patrick fazer isso. Ele planejava para novembro do ano passado, quando tiraria férias. Mas não deu tempo. Se Deus permitir minha mãe vai viver para conhecer o bisneto."

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