Siga a folha

Professor que usou tirinha com crítica à polícia é demitido em Goiás

Questão aplicada por docente foi exposta por youtuber condenado por fake news; escola particular diz que veda 'manifestações ideológicas'

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Goiânia

Um professor de sociologia de um colégio particular em Goiânia diz que foi demitido depois de um youtuber bolsonarista, que já foi condenado por divulgação de fake news, publicar vídeo em que critica o profissional por ter usado tirinha do cartunista André Dahmer, da Folha, em atividade escolar.

O caso ganhou repercussão na internet na quarta-feira (30), um dia depois de o professor Osvaldo Machado da Silva Neto, 41, deixar o Colégio Visão, do Grupo SEB, por causa do vídeo publicado por Gustavo Gayer, em uma rede social, na segunda-feira (27). O influenciador não tem filho matriculado na escola.

Professor há 19 anos, seis deles no colégio, Silva Neto aplicou em uma lista de exercícios para o ensino médio a seguinte questão: "Qual o elemento do Estado que está sendo retratado na tira abaixo?".

Tirinha de André Dahmer, com a pergunta do professor de Goiânia - Reprodução

A tirinha mostra um personagem lendo um jornal e pensando: "Mais um assalto em São Paulo. Ainda bem que temos a polícia para combater a violência em prol... da barbárie!".

No vídeo contra o professor, Gayer disse que o exercício mostra que escola particular tem "doutrinação", embora, segundo ele, "seja mais evidente em escola pública".

O influenciador destacou a tirinha e chamou seus seguidores para verem o que "o professor Osvaldo achou que seria pertinente levar para seus alunos".

"O professor de sociologia, ensinando para nossos filhos, para nossos jovens, que a polícia causa barbárie. Odeia a polícia, mas ama os bandidos", afirmou Gayer, no vídeo. Na legenda, escreveu: "Militante travestido de professor em escola de elite em Goiânia ensina jovens a odiar a polícia. Até quando pessoas assim continuarão destruindo as mentes dos nossos filhos?".

O docente rebate Gayer. "No vídeo, ele não mostra o enunciado, interpreta a tirinha na sua perspectiva, fazendo ilações de que sou o tipo de professor que ama bandido e detesta policial. Eu não sou isso."

Segundo Silva Neto, a resposta à questão era que "só o Estado usa a força de maneira legítima sobre o cidadão". "Os alunos tinham apenas que colocar isso e não precisavam se posicionar com nada", disse ele, formado em ciências sociais pela UFU (Universidade Federal de Uberlândia).

Dois dias depois, Silva Neto recebeu recado da diretora para reunião na sala dela. Viu a diretora e uma profissional do departamento financeiro. "Naquele momento, fiz a leitura de que seria demitido".

"Propus que eu recebesse advertência, que fizesse ajustamento de conduta. Fiz sugestões e implorei para que não fosse demitido", contou ele.

O professor diz que as duas afirmaram apenas que cumpriram "ordem de cima". "Chorei quando disse que era injusta a minha demissão", afirmou Silva Neto.

Em nota, a instituição informou que "a escola possui um Código de Conduta, que veda manifestações políticas, partidárias ou ideológicas em ambiente escolar. A direção do colégio mantém um canal de diálogo aberto com alunos e familiares, sempre pautando suas ações no Código de Conduta".

Logo depois de saberem da demissão, alunos se mobilizaram no colégio. Nos bilhetes, escreveram frases como "vai censurar mais quantos?", "sociologia não é ideologia política" e "vergonha de estudar aqui".

O cartunista André Dahmer classifica o caso como reflexo da "ignorância". "É uma coisa horrorosa, muito parecida com movimento antivacina, anticiência. Me causa apreensão esse obscurantismo de não poder tocar em assunto", afirmou.

"Quando pega um professor que foi demitido porque colocou tira sobre estado laico ou violência policial, a gente vê que está num momento muito difícil de sustentar a escola como instituição crítica da realidade", disse o cartunista.

Depois da divulgação do caso, Gustavo Gayer disse à reportagem "nossos filhos, nossas regras", apesar de não ter filho matriculado no colégio.

"Aproveita e faça um artigo sobre essa professora que foi demitida por ser contra a ideologia de gênero. Ou das centenas de professores que são demitidos e execrados no Brasil por serem contra a doutrinação nas escolas. Fora isso eu estou cagando e andando pro que a imprensa fala", afirmou ele, por WhatsApp.

O influenciador está entre os bolsonaristas que publicaram vídeos com fake news contra o STF (Supremo Tribunal Federal) e o TSE (Tribunal Superior do Eleitoral). Ele não se manifestou sobre a condenação dele por divulgação de notícias falsas.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas