Novo secretário de educação de SP pretende oferecer bolsa para aluno que quiser ser professor

Em sua primeira entrevista no cargo, Hubert Alquéres defende cotas raciais e projeto de passar escolas de ensino médio para período integral

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São Paulo

O novo secretário de Educação do estado de São Paulo, Hubert Alquéres, 64, pretende anunciar em breve um programa de bolsas para formandos do ensino médio que queiram se tornar professores e para docentes da rede pública cursarem uma segunda licenciatura e poderem ministrar aulas em mais de uma disciplina. As medidas, segundo ele, têm como objetivo reduzir o déficit de educadores das escolas públicas.

Em entrevista à Folha, a primeira desde que assumiu o cargo, há três semanas, Alquéres falou de seus novos projetos e das dificuldades orçamentárias da secretaria. Nestes primeiros dias de sua gestão, duas mudanças na legislação , uma decidida pelo Supremo Tribunal Federal e outra, pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), resultaram em uma perda de R$ 5 bilhões por ano no orçamento da rede pública de ensino paulista.

Apesar disso, o secretário afirma que está reorganizando o orçamento a fim de viabilizar os novos projetos, sendo o principal deles o de dar início à transformação de todas as escolas de ensino médio em tempo integral. Essa deverá ser uma das principais bandeiras da campanha do governador Rodrigo Garcia (PSDB), que disputará a reeleição em outubro.

O novo secretário de Educação de São Paulo, Hubert Alquéres, em seu gabinete
O novo secretário de Educação de São Paulo, Hubert Alquéres, em seu gabinete - Zanone Fraissat/Folhapress

Formado em engenharia, Alquéres foi professor na Escola de Engenharia Mauá e na Politécnica da USP. Também lecionou matemática e física no Bandeirantes, colégio de elite de São Paulo, onde atuou por 41 anos. Entre 1995 e 2002, foi secretário-adjunto de Educação do governo Mario Covas (PSDB), de quem era próximo —ele se filiou ao PSDB assim que o partido foi criado, em 1988. Em 1998, tornou-se membro do Conselho Estadual de Educação, órgão que já presidiu quatro vezes.

Como compara a educação paulista do tempo em que foi secretário-adjunto, no governo Covas, e a de agora? A minha grande surpresa positiva em 1995 foi descobrir a qualidade dos professores, diretores e supervisores. A rede era muito profissionalizada, com pessoas competentes e dedicadas. A gente tinha 6.000 escolas e 6 milhões de alunos. Hoje são pouco mais de 5.000 escolas e 3,5 milhões de alunos. E acredito que esteja ainda mais profissionalizada. Os profissionais têm uma base bastante sólida e temos boas novidades, como o Centro de Mídias, uma maneira rápida de chegar aos professores, diretores e estudantes.

Do ponto de vista do currículo, a gente sente uma diferença grande. Antes se valorizava a memorização, o conhecimento mais enciclopédico. Hoje, consideramos importantes habilidades socioemocionais, como o raciocínio crítico, a capacidade de argumentação.

Qual seria então o problema por trás de todos os resultados negativos em índices de qualidade de ensino? Se temos mais de 80% dos alunos em escolas públicas, não há como concluir que a escola pública é um fracasso. A maioria das pessoas que trabalham em serviços, na indústria e nas mais diversas áreas foram formadas em escolas públicas. Então não dá para achar que é um fracasso total porque São Paulo não é um fracasso.

Os indicadores também mostram isso. No Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] do 5º ano e do 9º ano, as escolas públicas de São Paulo estão na primeira posição. No ensino médio, estamos em 4º lugar. O que não significa que não tem que melhorar. Mas não compactuo com a ideia de que a educação de São Paulo esteja ruim. Acho que essa ideia não faz jus aos alunos nem ao trabalho dos professores e diretores da escola, que se esforçam muito e têm mostrado resultados e um grande comprometimento com as políticas públicas para a educação.

O ensino integral é uma vertente hoje muito importante, porque garante mais resultados. As 33 melhores escolas do Ideb em São Paulo são de ensino integral. O ensino integral não está consolidado, claro, mas houve uma expansão grande e precisamos procurar mecanismos para financiar a continuação dessa expansão. O governador Rodrigo Garcia, na campanha de reeleição, pretende focar bastante o discurso na educação, e uma das bandeiras da campanha vai ser universalizar o ensino integral das escolas do ensino médio. E ele tem dito que quer fazer a integração do ensino médio com o técnico e o profissionalizante.

Além dessa dificuldade orçamentária, há o deficit de professores, que complica especialmente a implementação do novo ensino médio e das disciplinas que esse modelo exige, a dos chamados itinerários formativos. Essa é uma mudança grande e que está em curso. Naturalmente, vão aparecer problemas. Estamos com dificuldades para conseguir professores para os itinerários formativos, mas vamos priorizar essas disciplinas para a atribuição de aulas do próximo ano. O Repu [Rede Escola Pública e Universidade; que fez um estudo que apontou deficit de 17% de professores no ensino médio], apesar da boa vontade de participar das questões de educação, não ponderou que esse deficit está muito localizado, não é um dado geral da rede.

Hoje São Paulo tem 204 mil professores em sala de aula. O deficit de professores é de 2.900, é 1,5%, mas esse número está concentrado nos itinerários. Estamos fazendo um esforço grande para fazer essa contratação. As disciplinas dos itinerários têm professores de algumas formações habilitados a ministrá-las. As mais ligadas à tecnologia precisam de professor de matemática ou física, e há uma dificuldade no Brasil inteiro de encontrar professores dessa formação.

Para o segundo semestre, fizemos uma ação momentânea de ampliar as possibilidades de contratação, liberando professores formados em pedagogia, que só podem dar aulas até o 5º ano, a ministrar disciplinas específicas do 6º ao 9º ano.

Como o governo pode reduzir esse deficit de professores? Vamos fazer uma ação grande, talvez de bolsa de estudo, para os professores da rede estadual poderem fazer uma segunda licenciatura. O professor licenciado em geografia, por exemplo, pode fazer matemática, com uma bolsa. Estamos fazendo os cálculos para ver que valor pode ser investido nisso.

Hoje o Brasil tem muito licenciado em pedagogia. Esse profissional, que pode dar aulas no fundamental 1 [1º ao 5º ano] tem uma base em geografia, história etc. Mas não é licenciado em cada uma dessas disciplinas. Então, com esse programa de bolsas, poderão fazer a segunda licenciatura e se especializar. E a carga horária será menor, porque ele já tem a base. Em até um ano pode ter o segundo diploma.

Para 2023 quero deixar também pronta a bolsa para a primeira licenciatura para os estudantes do 3º ano do médio. Também fechei com a Unesp 900 vagas de mestrado para os professores da rede pública. Vamos remunerar a Unesp para abrir essas vagas já em 2023. Eu gostaria de deixar um movimento forte de formação para professores, tanto inicial quanto continuada.

Como o senhor vê projetos para que escolas públicas sejam geridas por OSs [organizações sociais de gestão privada, sem fim lucrativo], como a apresentada na Câmara de São Paulo? Eu não faria isso de forma generalizada, mas em projetos-pilotos, bem pontuais. E jamais deixaria por conta de outras organizações a contratação dos professores, o pedagógico. Poderia funcionar para equipamento, reformas. O conteúdo curricular e a formação dos professores devem ser atribuição do Estado.

O Estado é laico e precisa continuar sendo. E se vem uma OS ligada a uma religião para administrar uma escola? Tudo tem que ser muito blindado para que não contamine o currículo e os valores republicanos, de a escola não ser um ambiente de manipulação político-partidária ou em que a religião esteja presente de forma inadequada.

Ao assumir a secretaria, o senhor deve ter enfrentado desconfiança por ter o nome tão ligado ao Bandeirantes, um colégio totalmente distante não só da realidade das escolas públicas como até da maioria das particulares. Isso se deve à desinformação sobre a minha experiência, que é muito maior do que essa do Band, ou mesmo a preconceito político. Da mesma forma me acusaram de ser alguém somente da escola particular, também me acusaram de ser alguém que vem dos tucanos, o "secretário do PSDB", e isso também não é verdade.

Eu me relaciono com educadores de todas as colorações partidárias. Tenho muita admiração pelo [ex-ministros da Educação] Renato Janine Ribeiro e Cristóvão Buarque. O próprio [Fernando] Haddad [PT] foi aluno do Bandeirantes, tenho bastante respeito por ele. Existe uma obsessão por rotular as pessoas, que é negativa para o bom debate.

Neste ano, deverá haver a revisão da Lei de Cotas em Universidades. O senhor já escreveu que é favorável às cotas sociais, mas contrário às raciais, afirmando que podem gerar uma maior divisão na sociedade. Tenho visto os impactos das cotas nas universidades, e o resultado é extremamente positivo. Hoje me tornei um grande defensor das cotas, acho que evoluí nesse sentido. Defendo tanto as cotas em geral, como especificamente as raciais. É um modelo que tem sido bem-sucedido. Se as cotas raciais terminam por gerar uma tensão social, o que deve ser feito é resolver essa tensão social e não acabar com as cotas.


Raio-x

HUBERT ALQUÉRES, 64

Formado em engenharia civil pelo Instituto Mauá de Tecnologia, deu aulas na Escola Mauá de Engenharia e na Politécnica da USP. Foi diretor e professor de física e matemática do colégio Bandeirantes, no qual trabalhou por 41 anos. Filiou-se ao PSDB no lançamento do partido, em 1988. Entre 1995 e 2002, foi secretário-adjunto de Educação do governo Mario Covas. Em 1998, tornou-se membro do Conselho Estadual de Educação, que já presidiu por quatro vezes.

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