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Coronavírus

Faltaram dados e sobrou política em anúncio de eficácia da Coronavac

Imprensa ficou sem respostas sobre diferenças nos subgrupos por idade ou detalhes sobre efeitos colaterais

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São Paulo

De tudo que diferencia a divulgação da eficácia da Coronavac e de outras vacinas contra Covid-19 apresentadas nas últimas semanas, um ponto chama especial atenção: a falta de transparência.

Os jornalistas que participaram da coletiva de imprensa sobre a Coronavac nesta quinta (7) encontraram algumas porcentagens sobre a eficácia da vacina e declarações genéricas sobre poucos efeitos colaterais —nesse caso, sem nenhuma estatística associada.

De acordo com a apresentação oficial do governo estadual de São Paulo e do Instituto Butantan, a Coronavac teve eficácia de 78% para a prevenção de casos leves de Covid-19 e de 100% para casos graves em um estudo clínico realizado no Brasil, que contou com a participação de 12.476 profissionais de saúde voluntários em 16 centros de pesquisa.

E os números da apresentação oficial pararam por aí.

Questionado por jornalistas, Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, disse que o número de casos de Covid-19 foi em torno de 200-218. E trouxe dados de cabeça: "160 e alguma coisa no placebo e 60 ou menos entre os vacinados."

A imprensa ficou sem respostas sobre diferenças nos subgrupos por idade ou detalhes relacionados aos efeitos colaterais.

Não dá para saber como se chegou ao cálculo dos 78% de eficácia da Coronavac para casos leves. Tampouco se sabe como foi calculada a taxa de 100% de eficácia para casos graves, que são mais raros.

Para se ter uma ideia, o laboratório Moderna divulgou à imprensa que houve 30 casos graves de Covid-19 em um teste clínico que envolveu 30 mil participantes. Todos os casos graves eram do grupo placebo.

Como casos graves são restritos a um grupo pequeno de pessoas, portanto com menor poder estatístico, esses números são chamados pelos especialistas de "desfechos secundários" nos testes clínicos. Não é, portanto, a principal informação.

No caso da Coronavac, no entanto, os 100% de eficácia da vacina para os casos graves viraram a principal informação divulgada pelo governo. E novamente: de quantos casos graves estamos falando? Um ou dois?

A Moderna também divulgou à imprensa que, entre os efeitos colaterais da sua vacina, 3,8% dos participantes relataram fadiga e 2% enxaqueca. Não temos nenhuma informação desse tipo para a Corovanac —nem porcentagem nem dados brutos.

A Pfizer e a AstraZeneca também fizeram os anúncios de eficácia de suas vacinas acompanhados de informações técnicas para a imprensa com os resultados principais encontrados. É o chamado "desfecho primário" dos testes clínicos: houve tantos casos de Covid-19 no placebo, tantos outros no grupo que foi vacinado, então a vacina preveniu a doença em tantas pessoas. Na prática, não temos esses dados para a Coronavac.

No anúncio comandado pelo governador João Doria (PSDB), Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, disse aos jornalistas que um relatório detalhado com os dados que estavam sendo questionados seria disponibilizado quando o pedido de aprovação da vacina for submetido à Anvisa. "Não vou trazer esses detalhes na coletiva."

A questão é que a divulgação dos dados de eficácia da Coronavac —prevista inicialmente para 15 de dezembro— foi adiada duas vezes justamente para que os dados de eficácia fossem divulgados simultaneamente a um relatório para a Anvisa. Não está claro, portanto, por que esse relatório ainda não está disponível à imprensa.

O anúncio da eficácia da Coronavac, em tom mais político do que científico, causou polarização nas redes sociais, inclusive entre acadêmicos. A crítica à falta de dados foi confundida com apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), já que a Coronavac é uma aposta política de Doria contra o presidente.

Se perdemos a capacidade de criticar a falta de transparência da divulgação da eficácia de uma vacina sob risco de ser tachado de partidário, então estamos todos correndo risco.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto afirmou, incorretamente, que a entrevista coletiva do governo de São Paulo sobre a Coronavac na quinta (7) não informou a quantidade exata de participantes da pesquisa. Um slide da apresentação dizia que 12.476 profissionais da saúde participaram do estudo da vacina.

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