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ONGs e livro expõem 'face oculta' de Paris-2024

Grupo de associações denuncia retirada de mais de 12 mil sem-teto; ex-integrante do comitê questiona supostas falhas de organização

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Paris

Um livro com denúncias de bastidores e um relatório sobre direitos humanos tentaram nas últimas semanas revelar uma "face oculta" dos Jogos de Paris-2024.

"La face cachée des JO" ("A face oculta dos Jogos") foi escrito por um ex-funcionário do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos (Cojop), Sébastien Chesbeuf, com o auxílio de dois jornalistas. Chesbeuf, que integrou a equipe de relações institucionais do Cojop, foi demitido em 2020 por "perda de confiança e lealdade". Processou o comitê e obteve a anulação da justa causa.

No site francês da Amazon, o livro figura em 22º entre os mais vendidos na categoria "Sociedade". Descreve um clima de improvisos, estouros orçamentários e descaso com o meio ambiente.

Trabalhadores ao lado de fora da Arena do Campo de Marte, em Paris - Athit Perawongmetha - 20.jul.24/Reuters

Um ponto fraco da obra é que boa parte das denúncias já foi abordada pela imprensa. Entre elas, estão irregularidades na contratação e remuneração de dirigentes; gastos mal explicados; a destruição de corais na instalação da estrutura das provas de surfe, em Taiti, no Oceano Pacífico; e o uso questionável de ar condicionado no ginásio da primeira fase do basquete, na cidade de Lille, no norte da França.

Uma das críticas mais fortes tem a ver com o planejamento da complexa cerimônia de abertura às margens do Sena, marcada para a próxima sexta-feira (26), sob fortíssimo esquema de segurança. Segundo os autores, o comitê não tem como garantir a integridade física do público em caso de atentado terrorista. Citam dois especialistas em segurança, não identificados, que teriam dito a mesma frase: "Proibi minha família de ir."

A Folha apurou junto a uma fonte da alta cúpula da organização que o presidente do comitê, Tony Estanguet, não pretende se pronunciar sobre o livro.

O relatório sobre direitos humanos, por sua vez, foi elaborado por um coletivo de 104 organizações não-governamentais. Chama-se O Reverso da Medalha, em referência irônica aos Jogos. Fala de uma "faxina social", com pessoas em situação de rua retiradas de Paris; favelas e acampamentos removidos; abrigos fechados; imigrantes intimados a deixar o país; trabalhadoras do sexo e usuários de drogas assediados pela polícia.

Na semana passada, a reportagem participou de um encontro organizado pelo Reverso da Medalha com pessoas em situação de vulnerabilidade impactadas pelos Jogos. Muitos são migrantes africanos, de países como Somália, Congo e Guiné.

Tiemoko, nascido no Mali, pertence ao Coletivo dos Sem-Documentos de Paris. Ele denuncia que nas obras olímpicas, grandes empresas francesas exploraram a mão de obra barata de imigrantes ilegais. "Eles colocam a culpa nos terceirizados", acusa.

A Solideo, empresa pública criada em 2017 para a realização de obras como a Vila Olímpica dos atletas, afirma que desde 2022 reforçou o controle da situação dos operários nos canteiros de obras, diante das denúncias. Mas que não tem como impedir que imigrantes trabalhem com documentos falsos.

Quanto à retirada de "indesejáveis" das ruas de Paris, oficialmente nenhum órgão governamental francês admite a existência de uma política específica. Mas os números do relatório indicam um aumento desse tipo de ação, coincidente com a proximidade dos Jogos, que começam no mês que vem.

Os atingidos por essas operações alegam ouvir dos policiais que o motivo é, de fato, o evento. "Eles dizem: 'Vocês estão em um local que vai ser utilizado nos Jogos, somos obrigados a tirá-los'", conta a socióloga Camille Gardesse, da Escola de Urbanismo de Paris.

Ao todo, 12.545 pessoas, dentre elas mais de 3.434 menores, foram expulsas da região metropolitana de Paris nos últimos 12 meses, 38% a mais que no mesmo período anterior, segundo O Reverso da Medalha. A maioria dormia no entorno dos locais de competição e da cerimônia de abertura.

São números inferiores aos apurados por estudiosos do tema após Jogos de Pequim-2008 (nada menos que 1,2 milhão de desalojados) e Rio-2016 (77 mil, sobretudo moradores da favela Vila Autódromo, vizinha ao Parque Olímpico). Mas nem por isso menos vergonhosos, segundo os representantes das ONGs.

"Todas as cidades-sedes anteriores fizeram operações, em maior ou menor escala, de expulsão, afastamento, faxina social", disse à Folha o líder da Reverso da Medalha, Antoine de Clerck. "É porque querem mostrar ao mundo sua melhor cara."

Manifestantes contrários à realização dos Jogos Olímpicos de Paris posam com boias nas cores dos arcos olímpicos em frente ao palácio do Luxemburgo, sede do Senado francês, em Paris - Abdul Saboor 24.mar.24/Reuters

A associação de ONGs questiona a legalidade das operações policiais. Anunciou que vai encaminhar o relatório à Organização das Nações Unidas, ao Comitê Europeu dos Direitos Sociais e ao equivalente francês da Defensoria Pública, para que interpelem o governo francês por violações dos direitos humanos.

A prefeitura de Paris afirma ter feito o possível para encontrar abrigos para os sem-teto retirados dos "perímetros de segurança" dos Jogos Olímpicos. "A prefeita [Anne Hidalgo, do Partido Socialista] deseja uma solução perene, um legado que vá além da questão dos Jogos", disse à Folha nesta sexta-feira o vice-prefeito encarregado das questões olímpicas, Pierre Rabadan.

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