Descrição de chapéu Olimpíadas 2024

Megaesquema de segurança da abertura dos Jogos deixa franceses e turistas sitiados

Com medo de atentados na primeira cerimônia fora de um estádio, Paris fecha acessos e cerca locais estratégicos

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Paris

Desde as 5h da manhã da quinta-feira (18), estou sitiado. Não que eu possa me queixar da minha clausura, a ilha de la Cité, no coração de Paris, a dois minutos da catedral de Notre-Dame. Moro dentro daquilo que a polícia francesa batizou de "perímetro cinza", a área de segurança máxima no percurso da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, marcada para a noite da próxima sexta-feira (dia 26).

Durante oito dias, uma área de 6 quilômetros de extensão ao longo das margens do rio Sena ficará cercada por grades, blocos de cimento e forte policiamento. A medida de segurança visa impedir um atentado terrorista durante a cerimônia, que, pela primeira vez na história olímpica, será fora de um estádio.

Para entrar no "perímetro cinza", preciso apresentar aos policiais um QR Code, assim como todos os turistas, moradores e trabalhadores da área. Esse código tem que ser obtido online com antecedência, em um site criado pela polícia francesa, mediante envio de dados pessoais e comprovantes da necessidade de circular na região entre os dias 18 e 26 de julho.

Um policial francês inspeciona o QR code de um pedestre antes da entrada de uma área próxima ao rio Sena, em Paris
Um policial francês inspeciona o QR code de um pedestre antes da entrada de uma área próxima ao rio Sena, em Paris - Emmanuel Dunand - 18.jul.24/AFP

Enviei meu pedido no início de junho. Um mês se passou sem qualquer resposta. "Tenha paciência", era o que me diziam quando ligava para a polícia. Em busca de informações, fui a uma reunião na prefeitura, convocada pela polícia para prestar esclarecimentos.

"É kafkiano", disse um morador indignado por ter que provar que os próprios filhos estarão na casa dele no dia da cerimônia de abertura.

"Kafkiano ou não, você vai ter que fazer o QR Code", respondeu o chefe da polícia de Paris, Laurent Nuñez. "Lido há anos com terrorismo. O que diriam de mim se eu deixasse alguém entrar dizendo apenas 'Meu pai mora ali'?"

Por fim, meu QR Code chegou por e-mail, uma semana antes da entrada em vigor do "perímetro cinza".

A imagem mostra vários policiais em uma rua bloqueada por barreiras de metal. Alguns policiais estão de pé, enquanto outros estão conversando. À direita, uma mulher está andando de bicicleta. Ao fundo, há edifícios históricos e um céu azul com algumas nuvens.
Policiais orientam ciclista em área bloqueada por conta das Olimpíadas - André Fontenelle/Folhapress

Na teoria, é maravilhosa a ideia da cerimônia, atribuída ao presidente do Comitê Organizador dos Jogos, o ex-campeão olímpico de canoagem Tony Estanguet: exibir ao mundo, na abertura olímpica, toda a beleza da "mais bela cidade do mundo", como a capital francesa se intitula.

Mais de 10 mil atletas desfilarão pelo rio, a bordo de 94 embarcações, diante de um público de 326 mil pessoas. O final da cerimônia ocorrerá na famosa esplanada do Trocadéro, bem em frente à Torre Eiffel.

Na prática, porém, exige um esquema de segurança tão draconiano que resultou em ruas desertas e muita desorientação no primeiro dia, tanto entre turistas quanto moradores de Paris. Apesar de uma intensa campanha de divulgação, muitos alegavam desconhecer as medidas de segurança. Vi uma mãe, de bicicleta, tentando explicar ao filho, na garupa: "C'est le QR Code, mon amour" (algo como "É o QR Code, meu amor").

Há dois perímetros: o vermelho, onde só os carros precisam de autorização, e o cinza, onde todos, inclusive pedestres e ciclistas, precisam do QR Code. No perímetro cinza, que grosso modo inclui todos os quarteirões adjacentes à margem do rio, ficam os acessos a boa parte das maiores atrações turísticas de Paris, como Notre-Dame, o museu do Louvre e a Torre Eiffel.

Às 5h da manhã, nem os policiais, muitos deles vindos de fora de Paris para reforçar a segurança dos Jogos, sabiam como proceder. Não dispunham nem do aparelho leitor de QR Code. "Enquanto o scanner não chega, controlem a identidade", dizia o chefe de um grupo de policiais, na esquina da minha casa.

No final da manhã, os aparelhos já tinham chegado, mas nem sempre funcionavam. Nesse caso, os policiais estavam instruídos a serem flexíveis e deixarem o público passar mediante simples apresentação do QR Code, no celular ou impresso.

Os restaurantes e as lojas ficaram vazios. Os tradicionais "bouquinistes", os vendedores de livros e antiguidades que ficam em bancas à beira do Sena, resolveram nem ir trabalhar. Durante oito meses, lutaram contra a retirada de suas famosas caixas verdes durante os Jogos, como queria o governo. Os bouquinistes venceram. Mas agora se veem sem público, até o dia da cerimônia de abertura.

A Folha fez a pé um extenso percurso à margem do Sena, na quinta-feira. Encontrou apenas três dos 230 bouquinistes parisienses trabalhando. Uma delas, que se identificou como Sylvie, fez um balanço das vendas no dia: "Zero. É engraçado. Parece a Covid", disse, relembrando os lockdowns do tempo da pandemia.

A imagem mostra uma área de desvio em uma via pública, com barreiras metálicas e placas amarelas indicando desvios. Uma placa à esquerda indica 'Déviation Vélo' com um ícone de bicicleta, e uma placa à direita indica 'Déviation Piétons' com um ícone de pedestre. Ao fundo, há uma tenda branca e algumas árvores.
Bloqueios colocados em bairro francês por conta das Olimpíadas - André Fontenelle/Folhapress

Impedir um sniper de se posicionar em um telhado parisiense é a dor de cabeça das autoridades. O atentado contra o ex-presidente americano Donald Trump, no último dia 13, reforçou a atenção a esse risco. "Vivemos em um mundo extremamente perigoso. A França e os grandes eventos esportivos são particularmente visados", explica o ministro francês do Interior, Gérald Darmanin.

Aspirante a primeiro-ministro, Darmanin desfia, de cabeça, uma quantidade impressionante de estatísticas. Um neonazista, que planejava um atentado, foi preso na semana passada no leste da França. 870 mil pessoas já foram investigadas: turistas, moradores, trabalhadores. Até o início dos Jogos, esse número chegará a 1 milhão. Dessas, 3.922 foram "impedidas de participar dos Jogos". Darmanin não explica o significado dessa expressão, mas revela alguns números: 131 "ficha S" (termo francês para indivíduos de alta periculosidade), 18 "extremistas radicais", 167 "de ultraesquerda", 80 "de ultradireita", 219 suspeitos de radicalismo islâmico.

O esquema de segurança é gigantesco. Conta com 45 mil policiais franceses e 1.800 estrangeiros de 43 nacionalidades, inclusive 14 policiais federais brasileiros, que chegaram a Paris esta semana e foram imediatamente escalados para patrulhar pontos turísticos, como a basílica de Sacré-Coeur, em Montmartre. O contingente brasileiro foi alojado em um hotel próximo do aeroporto de Orly.

"As pessoas perguntam: o que a Polícia Federal do Brasil está fazendo aqui?", conta o policial federal Deílson Lima Soares, 60, um dos brasileiros no esquema de segurança dos Jogos. "O objetivo é mostrar que há presença policial na rua."

Pelo menos até o final dos Jogos, o que não faltará em Paris é presença policial.

Três policiais de costas observam uma cidade a partir de um ponto elevado. Dois deles vestem uniformes pretos com a inscrição 'Polícia Federal' nas costas, enquanto o policial do meio veste um uniforme com a inscrição 'Police'. Ao fundo, é possível ver uma paisagem urbana com vários edifícios e um céu parcialmente nublado.
Policiais federais do Brasil participam do patrulhamento da basília de Sacre-Coeur - Alain Jocard - 16.jul.24/AFP
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