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Descrição de chapéu Olimpíadas 2024

Parkour espreita Jogos Olímpicos dos telhados de Paris

Prática teve destaque na abertura do megaevento, mas ainda tenta entender se deve fazer parte dele

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Paris

A cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos deste ano teve a presença constante de uma misteriosa figura que aparecia carregando a chama sagrada pelos icônicos telhados de Paris. Ela usava técnicas de parkour, prática desenvolvida na França, nos anos 1990, que envolve corridas, escaladas e saltos em obstáculos urbanos.

Esse foi o lugar oficial da atividade na edição 2024 do megaevento. Como uma referência cultural do país que a recebe, não como um esporte. Agora, seus praticantes tentam se entender a respeito da possibilidade de integrar de fato o programa olímpico, que abraçou outras modalidades tidas como transgressoras, como o skate e o breaking.

A tradicional Place de la Concorde, que abriga o milenar Obelisco de Luxor, virou um parque urbano dedicado especificamente aos esportes radicais e ao basquete 3x3, também ligado à cultura de rua. Montado com estruturas temporárias para os Jogos, o espaço foi provisoriamente rebatizado de Parc Urbain La Concorde.

Estão longe dele os praticantes do parkour, afastados por um reforçadíssimo esquema de segurança –evitar ameaças terroristas, em um país com vasto histórico de atentados, tem sido prioridade. Mas isso não quer dizer que eles não estejam na cidade, escalando, saltando e cumprindo sua vocação de testar limites.

Quentin Säuberli é um dos exploradores de Paris - Folhapress

"O parkour nasceu nos subúrbios de Paris", lembrou à Folha o suíço Caryl Cordt-Moller, 24, membro da La Frappe Society, grupo que vem explorando a capital francesa durante os Jogos. "Existem alguns pontos bastante icônicos. E os telhados de Paris são extremamente acessíveis. Você sobe ao último andar e lá há claraboias que você pode abrir."

O espaço que ainda não foi aberto é o das próprias Olimpíadas. O parkour passa hoje pelo dilema que já viveu o skate: manter a pureza do movimento, com a ideia de rompimento, de ocupação de espaços não autorizados, ou buscar destaque como modalidade esportiva, enquadrando-se nas inescapáveis regras desse tipo de atividade.

Não há consenso entre os praticantes. Cordt-Moller, por exemplo, é um entusiasta da possibilidade de ganhar o caráter oficial, pela exposição e pelas possibilidades de patrocínio que isso traria. Sua namorada, a francesa Orane Florinda, 25, acha que o salto seria prematuro neste momento, sem um sistema de pontuação bem estabelecido.

"Assim que um esporte entra nas Olimpíadas, ele explode, as marcas ficam interessadas. É uma coisa boa, pode levar o esporte longe, pode permitir que pessoas como nós se profissionalizem e sejam levadas a sério. Muitas vezes, somos vistos como crianças fazendo qualquer coisa na rua. Meu objetivo é viver do esporte, e os Jogos são claramente uma porta de entrada", disse Cordt-Moller.

"Mas o problema, talvez, seja a imagem que será passada ao público", respondeu Florinda. "É isso o que mais tememos. Qual é a imagem que vamos passar? Portanto, não queremos que chegue assim, tão cedo. Você precisa ter cuidado para que seja bem-feito", acrescentou, referindo-se às dificuldades para o estabelecimento de um critério técnico para as notas.

O parkour teve competições organizadas pela FIG (Federação Internacional de Ginástica), com resultados insatisfatórios. Houve em 2022 a realização de um primeiro Mundial, em Tóquio, com uma série de questionamentos sobre os critérios adotados, sobretudo na categoria freestyle. Em vez de explorar ao máximo o ambiente, alguns competidores simplesmente repetiram movimentos que valiam pontos.

Tem sido constante a busca de um formato mais interessante e mais fiel aos princípios do parkour. Porém, enquanto modalidade esportiva, ele está sob o guarda-chuva de uma federação internacional, com todas as suas burocracias. São lentos os processos e as votações para a implementação de mudanças e um modelo ideal ainda parece distante.

E, de novo, além da questão prática do estabelecimento de um parâmetro para as avaliações, existe o debate a respeito da própria existência das avaliações. Os atletas –são atletas, geralmente muito bem preparados, estando ou não em um esporte instituído– transitam no que chamam de área cinza, algo que muitas vezes beira a ilegalidade e não cabe em uma disputa com regras rígidas.

"Na grande maioria das vezes, estamos em espaços públicos acessíveis e totalmente legais. Mas, obviamente, às vezes subimos nos telhados. A legislação varia de acordo com o país, o acesso aos telhados é uma zona meio cinzenta, ainda incomoda as pessoas. Quantas vezes não fomos abordados por policiais?", afirmou Cordt-Moller.

"Sempre tentamos explicar às pessoas o que estamos fazendo. Não estamos no modo bandido, não vamos dar um pulo e fugir da polícia. Aliás, diversas vezes, os policiais foram superlegais com a gente. A maioria conhece, alguns até praticam. Não nos é benéfico fazer isso ilegalmente. Acontece de fazermos coisas ilegais, mas não vamos destruir nada, somos super-respeitosos", acrescentou.

É buscando um equilíbrio nessa linha que os praticantes do parkour vivenciam os Jogos Olímpicos. Espreitam-no dos característicos telhados de zinco da capital francesa, enquanto skatistas e ciclistas BMX se apresentam em arenas montadas pela organização de Paris-2024, são aplaudidos e recebem medalhas. Um mundo distante, ainda que próximo.

"São dois mundos complementares", observou o franco-suíço Quentin Säuberli, também membro da La Frappe Society. "Por um lado, você tem o parkour como atividade esportiva, a técnica, tudo o que é apresentado do ponto de vista físico. Por outro, tem a cultura da exploração do ambiente, de buscar desafios em espaços que podem ser perigosos, arriscados, no limite da ilegalidade."

Há, claro, distinções entre as modalidades, porém os defensores da inclusão do parkour nos Jogos lembram que não houve prejuízos ao skate com seu ingresso no programa olímpico. O modelo de competição –com amplo sucesso do Brasil, dono de três medalhas– não sufocou a "cultura de rua", expressão repetida a todo momento, protegida com afinco pelos puristas.

"Entendo perfeitamente que queiram manter um pouco a cultura de rua, entendeu? Não vai apagar. O skate hoje está nas Olimpíadas, mas é uma minoria que participa de competições oficiais, de competições internacionais. O que temos como pano de fundo é uma comunidade enorme com a mesma cultura que existe há anos", disse Cordt-Moller.

"Isso não vai ser apagado. A essência nunca desaparecerá."

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