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Televisão

TV aberta é show de horrores, que vai de televendas à igreja

Canais mostram cultos, noticiários sangrentos, realities desastrosos, fofocas sobre celebridades e zebus em oferta

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São Paulo

Passei 24 horas vendo só os canais abertos da TV. Foi como voltar ao bairro em que cresci e constatar como ele mudou depois de tanto tempo. Dividi essas horas ao longo de quatro dias, para evitar um choque anafilático. Foi divertido, exasperante, até aterrador.

Começo a jornada de manhã. Lá está Fátima Bernardes, na Globo. Mesmo que não veja muito o “Encontro”, o programa está na minha zona de conforto. Melhor sair dela.

A TV Jockey mostra um páreo de agosto. Tão emocionante quanto a reprise de um jogo que acabou em zero a zero, mas há quem goste. Adiante.

Pela primeira vez, paro mais de dois segundos nos canais ligados ao Legislativo e ao Judiciário. A TV Câmara é surpreendente —tem boa qualidade de imagem e boa programação visual. Parece feita por profissionais. As demais —TV Justiça, Assembleia Legislativa e TV Senado—, não.

Descubro que não procede a reclamação de que não há mais nada para crianças na TV aberta. Quem deu as costas a elas foram as redes comerciais —só o SBT tem uma faixa infantil, “Bom Dia & Cia.”, mas as estatais TV Brasil e TV Cultura oferecem um cardápio farto e variado, de manhã e de tarde. A TV Escola e o Futura tampouco fazem feio.

Meu safári continua pelos misteriosos canais Comunitário e Universitário. Quem são, como vivem, do que se alimentam? Aparentemente, de atrações semiamadoras. Algumas têm cara de terem sido gravadas no século 19.

Percorro os canais de televendas —Mega TV, Polishop, Shoptime— onde reinam figuras bizarras como Sylvia Design. Até imóveis podem ser comprados direto do sofá.

Fico atordoado com os canais evangélicos, cada um ligado a uma igreja diferente —RIT TV, Rede Gospel, IDTV (a antiga TV Ideal do grupo Abril), 21 (que surgiu para ser voltado à cidade de São Paulo, mas hoje é da Universal).

Também são vários os canais católicos, como TV Aparecida, Rede Boa Nova e TV Pai Eterno (esta, ligada ao padre Robson de Oliveira, que está no epicentro de um escândalo de desvio de doações). Nem tudo é de Deus —alguns têm gastronomia, talk shows e até —ainda mais— televendas.

À tarde, é hora de fofoca. Os cortes que a Globo vem fazendo em seu elenco suscitam debates acalorados no “A Tarde É Sua”, da RedeTV!, no “Triturando”, do SBT, e no “Melhor da Tarde”, da Band. Mas essa Cátia Fonseca fala alto, viu?

Entre as várias novelas reprisadas, minha favorita é, de longe, “Os Mutantes – Caminhos do Coração”, que vai ao ar pela Record, às 16h. Como que eu perdi da primeira vez? É tão ruim que é ótima. Tem uma produção capenga, atores canhestros e uma subtrama que opõe os homens-formiga aos reptilianos.

Começa o horário nobre, e minha atenção se divide. Na Globo, o segundo episódio de “Amor e Sorte” me permite invadir a mansão de Lázaro Ramos e Taís Araújo. Na Record, se forma a primeira “roça” de “A Fazenda 12”. Na Band, o “MasterChef” deveria mudar o nome para “DisasterChef” —é um cozinheiro pior do que o outro.

No começo da madrugada, eu me flagro no Canal do Boi, tentado a arrematar uma fêmea de zebu por apenas R$ 260. E ela ainda está prenha!

Já tinha lido a respeito, mas nada me preparou para o “Alarma TV”, às 3h30, no SBT, um “telejornal” (e põe aspas nisso) para a comunidade hispânica dos Estados Unidos. É uma sucessão de notícias escabrosas, ocorridas em data incerta. Duas delas têm cães sendo mortos, a tiros ou a pauladas. Uma outra dá um close num enforcado, ainda pendurado pela corda.

Meu périplo termina com os noticiários do amanhecer. Os assuntos são tão diferentes que nem parecem vir do mesmo país. No SBT, Dudu Camargo —que lembra uma criança vestida de adulto para o teatrinho da escola— exibe dez vezes seguidas o vídeo em que uma dupla de praticantes de rapel cai de uma altura de 60 metros, numa cachoeira. Felizmente, ninguém se machucou. Só os meus olhos.

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