'Os Sonâmbulos' nos carrega a limbo entre pesadelo e realidade
Vigor do filme se manifesta nas acusações que nos lança, perguntando se queremos mudar ou só esperar
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Existem pelo menos duas forças que movem o cinema, as convenções e as invenções. As primeiras são as do consumo, das fórmulas, do entretenimento, das histórias ordenadas e com ponto final. As segundas são as do risco, da provocação. Por isso, exigem um espectador disposto a ser confrontado. “Os Sonâmbulos” se filia a esta tradição.
Em seu terceiro longa, o diretor Tiago Mata Machado ameniza as exigências experimentalistas que dificultavam o diálogo de “Os Residentes”, de 2010, com um público maior que um punhado de iniciados.
Agora, não temos mais a impressão de estarmos diante de um Ovni ininteligível, de um fragmento descolado do vanguardismo sessentista, de uma pedra do calçamento sessentoitista atirado nos nossos crânios.
Realizado em 2018, “Os Sonâmbulos” é um filme radicalmente ancorado no presente e tem a urgência típica do nosso tempo desesperado. Sua exibição dois anos depois de ter sido finalizado ganha o impacto das premonições.
O filme parece concluir uma espécie de trilogia do enclausuramento, iniciada por Mata Machado em 2007, com “O Quadrado de Joana”. Aqui, novamente, o encerramento dos personagens é uma aposta da ficção tanto como uma necessidade de reflexão.
O grupo de revolucionários impotentes a que o nome do longa alude luta contra um inimigo mais perigoso porque difuso. “Fascismo” é um termo que vai e vem nos diálogos sussurrados, mas que nunca se materializa visualmente. A vaga imagem de uma repressão militar aparece nas fotografias que acompanham os créditos iniciais.
Um zoom faz aquelas primeiras e nítidas figuras desaparecerem, as tornando imperceptíveis quando as figuras se diluem em pontos. Essa imagem forte que abre o filme não é nada equívoca. Ali está o Brasil de ontem, de anteontem e de hoje, “o país do futuro com um imenso passado pela frente”, como define um diálogo.
Essa ideia de algo imperceptível, mas que, no entanto, está difuso e onipresente, é sustentada ao longo do filme por meio da presença do rumor.
O desenho de som de Pedro Durães e a trilha sonora dele com Juan Rojo traduzem, imaterialmente, a onipresença desse inimigo não mais identificável. O trabalho magnífico de dicção dos atores garante que o texto não se confunda com um amontoado de chavões e palavras de ordem.
O rigor formal da direção de Mata Machado impõe, da primeira à última cena, a condição de isolamento e de cerceamento a partir de enquadramentos em que o que não se vê é tão significativo e impactante quanto o que está visível no quadro. E a fotografia mostra ocultando, nos carrega para dentro desse limbo entre pesadelo e realidade nefasta em que seus personagens se imobilizaram.
Além de toda a riqueza expressiva, o vigor de “Os Sonâmbulos” se manifesta, sobretudo, nas acusações que o filme nos lança. Queremos mesmo mudar? Ou nosso único agir será esperar?
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