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Plano de resgate da Grécia chega ao fim, mas país ainda sofre

Mais de um quinto da população é incapaz de arcar com aluguel, eletricidade e empréstimos

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Luiz Alderman
Atenas

Quando Dimitris Zafiriou conseguiu um cobiçado emprego de período integral, há dois meses, o salário era equivalente à metade do que ganhava antes da crise da dívida grega. Mas, após anos de dificuldades, ainda assim representava um passo à frente.

“Agora nossa família chega ao fim do mês com zero dinheiro”, disse Zafiriou, 47, especialista em infraestrutura para edificações metálicas, com uma risada soturna. “Mas zero é melhor do que o que tínhamos antes, quando não conseguíamos pagar as contas.”

A Grécia está chegando a um marco, em uma das mais ruinosas crises financeiras da história da Europa. Nesta segunda (20), o país deixou oficialmente para trás sua dependência quanto aos € 320 bilhões (R$  R$ 1,45 trilhão) em verbas de resgate, o que abriu caminho para uma nova era de independência financeira.

A economia lentamente volta a crescer, e líderes europeus estão declaram o fim da crise da dívida que quase destruiu o euro.

Mas o preço da aparente recuperação grega foi muito alto. Uma desaceleração destrutiva, combinada a quase uma década de cortes profundos de gastos e aumentos de impostos, para reparar as finanças, deixou mais de um terço da população de 10 milhões de habitantes perto da pobreza.

A renda domiciliar caiu mais de 30%, e mais de um quinto da população é incapaz de arcar com despesas básicas como aluguel, eletricidade e prestações de empréstimos.

Um terço das famílias tem ao menos um membro desempregado. E o número de pessoas empregadas vivendo abaixo da linha da pobreza é um dos mais altos da Europa.

“Qualquer sociedade que tenha perdido um quarto de sua economia sofrerá severos problemas sociais”, disse Euclid Tsakalotos, ministro das finanças da Grécia. “Mas as coisas estão melhorando, e as pessoas conseguem ver que estão melhorando.”

Zafiriou acaba de sair de um ciclo de constante busca de emprego e de renda pessoal instável. Como muitos gregos, sua vida foi virada de cabeça para baixo durante a década perdida, marcada por desemprego descontrolado, fortes cortes de salários e uma disparada nas dívidas pessoais.

A economia que acaba de se estabilizar levou a construtora que contratou Zafiriou recentemente a retomar o recrutamento de pessoal. Mas o salário mensal de € 800 (R$ 3.200) que ele tem agora é muito inferior aos € 1.500 (R$ 6.000) que costumava ganhar na construtora para a qual trabalhou por 20 anos.

Quando a crise explodiu, a empresa começou a atrasar os salários, primeiro por dois meses, depois quatro —uma prática que se tornou comum em muitas companhias.

Sotiria, a mulher de Zafiriou, passou quase um ano sem receber salário, em 2013, depois que a cadeia de supermercados grega em que ela trabalhava declarou falência. A rede foi adquirida por outra empresa, e o salário mensal de € 1,1 mil que ela ganhava foi reduzido a € 800. Sotiria por fim recebeu cerca de metade dos salários atrasados que lhe eram devidos. Mas Zafiriou diz que jamais recebeu os € 13 mil que seu antigo empregador lhe devia.

A família rapidamente perdeu a capacidade de manter as contas em dia. Eles não conseguiam pagar a conta de luz ou as prestações da hipoteca sobre seu modesto apartamento de dois quartos em Keratsini, um subúrbio operário de Piraeus, perto de Atenas. A única coisa que os salvou de um despejo —e o mesmo vale para milhares de outros gregos que viveram circunstâncias igualmente difíceis— foi uma lei que proibia os bancos de executar hipotecas sobre a moradia primária de uma família.

Com o emprego novo, as coisas parecem estar melhorando. O casal recontratou o professor particular de Anamaria, e Sotiria Zafiriou já não precisa comprar os legumes ou a carne mais baratos. O objetivo primário é pagar todas as dívidas da família o mais rápido possível, mesmo que isso signifique conta bancária zerada no final do mês.

“A Grécia está melhorando”, disse Zafiriou. “Mas isso não significa que a situação se reverteu.”
Mesmo depois do resgate, a Grécia terá de continuar apertando os cintos, enquanto os credores monitoram sua disciplina fiscal e o progresso de suas reformas estruturais. 

O primeiro-ministro Alexis Tsipras prometeu facilitar as coisas para as pessoais mais prejudicadas, com programas sociais melhores e salários mais altos, e falou de uma possível redução nas pesadas taxas de juros, para estimular mais contratações. O desemprego caiu de 29% para 19,5%, mas continua a ser o mais alto da zona do euro.

Tsipras quer ganhar ímpeto, depois que a economia cresceu em 1,4% no ano passado, se recuperando lentamente de uma contração semelhante à causada pela Grande Depressão nos Estados Unidos. 

A Grécia vem mantendo um superávit orçamentário, desconsiderados os pagamentos de juros sobre suas dívidas ainda imensas. Tsipras quer recomeçar a vender títulos de dívida gregos nos mercados internacionais dentro de dois anos. Essa perspectiva gerou a sensação de que a crise pode enfim estar acabando.


The New York Times, tradução de Paulo Migliacci
 

Erramos: o texto foi alterado

Diferente do publicado na primeira versão da reportagem, no dia 20 de agosto, o valor de € 320 bilhões equivale a R$ R$ 1,45 trilhão, e não R$ 128 bilhões. O texto foi corrigido. 

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