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Alta de casos de coronavírus em estados populosos trava retomada nos EUA

Recuperação da súbita recessão agora está sendo ameaçada pela disparada no número de infectados em áreas do Sunbelt

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James Politi
Washington | Financial Times

Foi a ausência de carros que primeiro alertou Maryann Ferenc de que a recuperação econômica que ela e muitas outras pessoas esperavam ver na praia de Pass-a-Grille já estava em risco de desaparecer.

“Era 4 de julho e havia vagas para estacionar disponíveis o dia todo, havia vagas de estacionamento sobrando, o dia inteiro”, disse Ferenc, dona de diversos restaurantes na região de Tampa e de um “boutique hotel” naquele trecho da costa do Golfo do México.

No período que antecedeu o feriado do Dia da Independência americana, com o qual o setor de turismo vinha contando como uma injeção de ânimo, o número de casos novos de coronavírus que surgiram na Flórida registrou alta alarmante, superando a marca de 10 mil novos casos ao dia pela primeira vez. De lá para cá, a situação se deteriorou ainda mais, com o estado registrando o recorde de 15.299 pessoas contagiadas, em 12 de julho.

Cadeiras empilhadas no restaurante de Hotel em Miami Beach, na Flórida; cidade voltou a se recolher para reduzir a propagação do novo coronavírus - Joe Raedle/AFP

O resultado é que mesmo o consumo morno que havia ressurgido quando a Flórida emergiu de seu período inicial de lockdown terminou por desaparecer.

Tendo superado o choque inicial do coronavírus em março e abril com rapidez maior que a esperada, com a ajuda de doses maciças de estímulo fiscal e monetário, a recuperação da súbita recessão agora está sendo ameaçada pela disparada no número de casos de Covid-19 em muitas áreas do “Sunbelt”, que inclui muitos estados populosos do sul do país, como a Flórida, Texas e Califórnia.

A perda de ímpeto econômico já está surgindo em dados de alta frequência sobre o emprego, reservas em restaurantes e mobilidade, todos os quais mostram sinal de estagnação.

“A economia continua muito deprimida por conta do vírus que está fora de controle, e o vírus está ficando ainda mais fora de controle”, diz Aaron Sojourner, professor de Economia na Universidade de Minnesota e antigo integrante do conselho de assessores econômicos da presidência dos Estados Unidos na gestão de Barack Obama.

A questão agora é determinar se isso é apenas um incidente estatístico e a recuperação logo voltará a ganhar fôlego ou se a maior economia do planeta está a caminho de uma recaída que agravaria ainda mais os danos sofridos pelas empresas e pelos domicílios americanos –e pela economia mundial– durante a primeira onda de contágio.

Riscos claros de queda

“Nós alertamos o tempo todo que a solução para chegar a uma recuperação envolvia uma melhora na situação de saúde. Quando começamos a ver uma deterioração na situação de saúde, a recuperação parou imediatamente”, diz Lydia Boussour, economista sênior da consultoria Oxford Economics para o mercado dos Estados Unidos, em Nova York.

Importantes dirigentes do Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos) vêm acompanhando os dados econômicos em tempo real com preocupação crescente.

Lael Brainard, membro do conselho de política monetária do Fed, disse na semana passada que a economia dos Estados Unidos continuava envolta em “um pesado nevoeiro de incerteza”, e que os “riscos de queda” dominavam as perspectivas.

Robert Kaplan, presidente do Fed de Dallas, apelou aos americanos que usem máscaras, afirmando que respeitar a orientação das autoridades de saúde do país e reduzir o ritmo de transmissão do vírus seria uma política econômica mais efetiva do que qualquer estímulo monetário ou fiscal adicional.

O número crescente de mortes e de internações hospitalares –que tiveram severo impacto no Texas nas últimas semanas– está tendo “um efeito negativo sobre o crescimento econômico”, ele disse.

"Narrativa nacional”

Os ventos adversos que prejudicam a recuperação dos Estados Unidos são especialmente preocupantes porque a economia vinha se saindo melhor do que o esperado, quando os Estados Unidos emergiram do período inicial de lockdown.

Depois de eliminar 22,2 milhões de empregos no início da pandemia, em março e abril, de acordo com o Birô de Estatísticas do Trabalho, os empregadores americanos rapidamente recontrataram 7,5 milhões de trabalhadores em maio e junho, entre as quais 503 mil na Flórida. Isso ainda deixa a situação do emprego muito inferior à que prevalecia no mercado de trabalho antes da pandemia, mas era um sinal inicial encorajador.

Outros indicadores também apontavam para recuperação rápida, entre os quais as vendas do varejo, que subiram em 7,5% em junho depois da alta de 18,2% em maio, quase reconquistando o terreno perdido anteriormente no ano.

Mas muitos economistas temem que a virada positiva se prove insustentável e esteja vulnerável a uma reversão nas próximas semanas e meses, como resultado de novos surtos.

Na Califórnia, o mais populoso estado dos Estados Unidos e um dos grandes propulsores da economia do país, o governador, o democrata Gavin Newson, na semana passada ordenou o fechamento de todos os bares e proibiu as operações de restaurantes, casas de vinho, cinemas e museus em espaços fechados.

Mesmo em estados como a Flórida, governados por republicanos que relutam mais em readotar restrições, a ansiedade sobre a difusão da doença acarreta o risco de solapar a recuperação econômica.

Liz Ann Sonders, vice-presidente de estratégia de investimento do grupo de serviços financeiros Charles Schwab, disse que a desaceleração está se fazendo sentir “em praticamente todo o país”, e não só nos estados do “Sunbelt”.

Para o mercado de trabalho, a grande preocupação é que a a persistência da pandemia se traduza em um crescimento mais fraco do emprego ou em milhões de novas demissões, o que agrava o medo de uma desaceleração ao estilo da década de 1930.

Sonders se preocupa que, embora a proporção de empregos temporários perdidos esteja em queda no país, a proporção de perda de empregos permanentes está em alta. [Essa tendência] obviamente não é boa”, ela alerta.

Na Florida, o novo pico de casos de coronavírus forçou Ferenc a suspender seus planos de recontratação. Ela também teve de considerar cortes de salário e reduções de jornada de trabalho para seus empregados de nível médio, que ela tentou poupar das piores consequências da crise.

“Você começa a considerar maneiras diferentes de cortar as coisas, na esperança de manter as pessoas empregadas”, ela diz.

Washington vai arcar com a conta?

Uma recuperação anêmica porá fim às esperanças do presidente Donald Trump de chegar à eleição de novembro contra Joe Biden montado em uma recuperação em forma de V, o resultado em que ele apostou desde o começo da crise do coronavírus.

Uma das principais razões para que o consumo e boa proporção dos empregos tenham sido recuperados tão rapidamente nos Estados Unidos foi a ajuda dada por um pacote de US$ 3 trilhões (R$ 15,3 trilhões) em medidas de estímulo aprovadas no início da crise, entre as quais pagamentos diretos do governo a domicílios, forte expansão nos benefícios aos desempregados e empréstimos em termos favoráveis a pequenas empresas.

Mas o impacto dessas medidas está começando a se reduzir no momento em que as perspectivas se agravam. Embora os democratas tenham apelado por mais US$ 3 trilhões em gastos com assistência aos desempregados, ajuda direta a domicílios e verbas para os estados que enfrentam problemas de caixa, os republicanos relutam em apoiar essas medidas.

Um dos pontos de conflito é o destino do pagamento adicional de US$ 600 (R$ 3.066) por semana em assistência aos desempregados introduzido durante a pandemia em caráter de emergência, que expira no final do mês e que os republicanos e a Casa Branca desejam cortar porque acreditam que é excessivamente generoso e desestimula as pessoas a procurarem trabalho.

Mesmo que surja um acordo, é provável que ele envolva redução substancial na assistência, comparado à rodada anterior. Muitos economistas estão preocupados com a possibilidade de que qualquer acordo que surja em Washington seja pífio e insuficiente.

“Acreditamos que um acordo ficará aquém do necessário em termos do apoio de que a economia precisará, especialmente por estarmos vendo uma deterioração na situação de saúde”, diz Boussour, da Oxford Economics. “Existe uma probabilidade de que a renda sofra um aperto, no futuro”.

Na região de Tampa, Ferenc, que obteve um empréstimo do governo a pequenas empresas na última rodada de estímulo, diz que existem argumentos em favor de assistência adicional aos empreendedores, na próxima rodada de negociações.

Mas sua maior esperança é que seu estado consiga evitar um novo período de confinamento rigoroso – mesmo que isso signifique que restaurantes como os dela tenham de aceitar novos cortes em sua capacidade. “Se começarmos e pararmos, e voltarmos a começar e pararmos de novo, creio que a coisa se torna muito mais difícil de fazer”, ela disse. “Na vida ou nos negócios”.

Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

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