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Governo está dinamitando pilares fiscais, diz executivo da Santander Asset

À frente de carteira de R$ 300 bi, Mario Felisberto diz que Bolsa ainda pode sofrer mais neste ano

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São Paulo

A PEC (proposta de emenda à Constituição) que busca aumentar os gastos sociais às vésperas das eleições, aprovada no Senado na semana passada, foi recebida como um péssimo sinal por agentes do mercado financeiro em relação à sinalização do governo sobre a condução da política fiscal.

"O governo está dinamitando pilares do regime fiscal", diz Mario Felisberto, executivo chefe de investimentos da Santander Asset Management, gestora do banco espanhol com cerca de R$ 300 bilhões em ativos no mercado local.

Com o aumento das incertezas sobre a condução da política econômica ao longo dos próximos meses, somado a um cenário internacional também desafiador, o gestor não descarta a necessidade de o BC (Banco Central) ter de subir ainda mais a taxa de juros em relação ao projetado hoje pelo mercado. A Santander Asset trabalha atualmente com uma taxa Selic terminal em 13,75% ao ano.

Mario Felisberto, executivo chefe de investimentos da Santander Asset Management - Divulgação

Felisberto afirma também que, após um primeiro semestre em que a atividade econômica se comportou um pouco melhor do que as previsões iniciais, para a segunda metade do ano, o cenário tende a ser mais desafiador —o que pode implicar em um ambiente desfavorável para o desempenho da Bolsa brasileira e global durante o segundo semestre.

"Estamos com uma visão bastante cautelosa para a Bolsa, tanto nos mercados internacionais como no Brasil."

Tivemos na semana passada a aprovação da PEC Kamikaze no Senado faltando cerca de três meses para as eleições. Como o sr. tem acompanhado e qual a sua avaliação sobre o quadro fiscal do país? Temos visto resultados fiscais muito bons, e, sem dúvida, isso é um alento. Mas, ao mesmo tempo, está claro que esses resultados positivos estão servindo como margem de manobra, para que o governo use essa sobra de resultado em políticas de curto prazo que não fazem sentido do ponto de vista estrutural do lado fiscal.

Portanto, no curto prazo, a gente vê esses resultados positivos, mas que estão servindo como válvula de escape. E o mais importante não é essa parte de curto prazo, até porque ela tem sido usada de uma maneira não apropriada. Mas sim o fato de que o governo está dinamitando certos pilares do regime fiscal.

Honestamente, não sabemos como o regime fiscal vai ficar no ano que vem, seja por causa da eleição, seja pelo fato de que, independentemente de quem ganhar, não tem nenhuma clareza sobre os pilares de regime fiscal que seriam adotados por qualquer um dos possíveis governos que tenhamos.

Não temos visibilidade nenhuma e conforto nenhum, é um dos nossos maiores pontos de preocupação essa perda dos pilares, da sinalização institucional que poderíamos ter sobre o regime fiscal no longo prazo. Quando a gente pega o nosso cenário econômico e traduz para os investimentos, esse é um fator bastante negativo.

Nesse contexto, houve um aumento da percepção do risco fiscal por parte do mercado nas últimas semanas? Sem dúvida. Tivemos na segunda metade do ano passado alguns marcos importantes no sentido de perda desses pilares, de que o teto passaria a não ser respeitado, mas uma diretriz em torno da qual se procurariam atalhos para poder gastar mais. E isso sem dúvida naquele momento mudou o patamar de percepção de risco do mercado, com um impacto bastante significativo em todos os mercados, na Bolsa, no câmbio, nas curvas de juros, e com um impacto palpável na inflação, no comportamento do câmbio, na necessidade de o BC [Banco Central] aumentar a taxa de juros.

Nessas últimas semanas, tivemos um segundo movimento bem negativo nessa direção, de desconsiderar o teto fiscal, de tirar mais um tijolo na sequência de remoção do pilar do teto.

As recentes manobras fiscais abrem brechas para novas tentativas do governo de aumentar os gastos antes das eleições? A intenção é essa, e temos nesse movimento o governo trabalhando juntamente com o Legislativo, e a própria oposição jogando também na mesma direção. Atualmente, não estamos conseguindo enxergar de onde vem a defesa do regime fiscal. Vemos muita gente querendo gastar, e pouca gente tentando defender o equilíbrio fiscal.

A política fiscal pode forçar o BC a ter de ser ainda mais agressivo no processo de alta dos juros? Acho que sim. É difícil isolar todos os efeitos, porque temos o cenário internacional também bastante conturbado, que tem gerado impacto bastante negativo em termos de pressões inflacionárias. Mas não tem dúvida que tem o impacto do fiscal, que é bastante relevante. No ano passado, não tínhamos um cenário internacional tão negativo jogando contra, e, naquele momento, já ficou claro que a perda de credibilidade fiscal geraria impacto na inflação, no câmbio, e a necessidade de apertos mais agressivos por parte do BC. Só que agora tem o cenário global mais difícil, e, ao mesmo tempo, a taxa de juros já está mais alta. Mas eu não tenho dúvida que o fiscal está dificultando bastante o trabalho do BC, e pode levar o BC, na nossa visão, a ter que continuar puxando a taxa de juros.

O quanto o BC teria de subir os juros além do já estimado pelo mercado? A essa altura, a nossa projeção para o BC não é mais tão agressiva assim, trabalhamos com mais uma alta de 0,50 ponto percentual na Selic, para 13,75% ao ano. O que está por trás dessa lógica é que já tivemos o BC puxando bastante a taxa de juros, e, obviamente a inflação ainda está rodando em patamares muito altos, mas a taxa de juros leva um tempo para surtir efeito. Esse é o nosso principal argumento para dizer que não vai mais precisar puxar tanto a taxa de juros, ainda tem um efeito defasado para acontecer.

Mas, ao mesmo tempo, não temos muita dúvida que, primeiro, se tiver que errar, o BC vai ter que errar para puxar mais a taxa de juros do que esse aumento adicional para 13,75%. Diria que tem uma probabilidade razoável de o BC ter que puxar um pouco mais. E tem um segundo impacto, que talvez seja até mais dolorido, que o BC vai demorar para ter espaço para cortar os juros.

A expectativa de inflação para o ano que vem está em torno de 5,5%. É uma inflação que não é baixa, que está acima da meta, com o BC a princípio não tendo muito espaço para cortar os juros. Mas estamos falando de um juro de 13,75%, contra uma inflação de 5,5%, é uma taxa de juros real bastante elevada. E, mesmo assim, achamos que a autoridade monetária vai precisar ser mais cautelosa com a trajetória na hora de fazer a redução de juros no ano que vem.

A gestora revisou em julho de 9,2% para 7,1% a projeção para a inflação, por conta das medidas voltadas para alívio no preço de energia, mas também revisou de 13,25% para 13,75% a projeção para a Selic. Com uma inflação menos pressionada, o BC não deveria ter menos trabalho para segurar a inflação? Se a inflação estivesse caindo por tendências mais intrínsecas, porque os fatores por trás dela estão melhorando, seja o câmbio, seja a questão de preços das commodities, seja a própria atividade desacelerando, isso poderia dar espaço para parar de subir os juros e para o BC cortar os juros.

Mas quando temos uma inflação caindo por ações pontuais, como as reduções de impostos, isso não tem um impacto mais duradouro e persistente na inflação. Como o BC está sempre olhando para frente, isso acaba tendo um impacto muito limitado nos juros. Na tendência de médio prazo, não vemos um alívio que permita que o BC pare de subir e até corte os juros. Na verdade, o efeito é o contrário. Como o fiscal está piorando, talvez isso acabe forçando o BC a ter que puxar mais a Selic.

Qual sua avaliação sobre as propostas que têm sido sinalizadas pelos dois principais candidatos na disputa eleitoral no campo econômico? Não vemos propostas claras dos candidatos, esse é um primeiro ponto. E não vemos propostas que enderecem os problemas que achamos que têm de ser endereçados, que é a parte fiscal, as reformas estruturais, que recoloquem o país em uma trajetória de crescimento. Esse é um dos fatores preocupantes da eleição, temos desafios muito grandes pela frente do ponto de vista econômico, e isso não parece ser uma prioridade em termos de sinalização dos candidatos.

Sob essa perspectiva fiscal, e considerando o ambiente global mais incerto, a Bolsa local já precifica bem o cenário esperado à frente ou ainda há espaço para deterioração adicional? Quando a gente pega a Bolsa, ela está sofrendo já há algum tempo, porque o mercado internacional entrou em uma trajetória mais negativa nesse primeiro semestre, e porque os juros aqui têm uma trajetória que foi prejudicial às ações.

Mas têm alguns efeitos que, ainda assim, sustentaram a Bolsa e evitaram que ela tivesse uma trajetória muito negativa. Tem aí algum impacto dos preços de commodities, dessas próprias medidas fiscais, que sustentaram a atividade econômica em um nível, senão super positivo, mas pelo menos que evitaram uma recessão até agora.

Isso ajudou a defender um pouco determinados setores da Bolsa. Mas não está precificado na Bolsa ainda um cenário de crescimento pior, que não deixa de ser uma possibilidade. A expectativa de juros mais altos já levou a Bolsa a cair bastante lá fora, mas os resultados das empresas negociadas em Bolsa, tanto lá fora como aqui, continuam ainda sem sofrer muito. Até isso daí pode dar a impressão, para quem olha os múltiplos, que a Bolsa ainda está relativamente barata.

Nossa visão é que tem uma perna que deve acontecer nos próximos trimestres de revisão de resultado de lucro para baixo, por conta dessas revisões de atividade, e, portanto, a Bolsa ainda deve sofrer mais. Estamos com uma visão bastante cautelosa para a Bolsa, tanto nos mercados internacionais como no Brasil.

No cenário externo, o sr. avalia que os BCs globais, e em especial o Fed, terão de apertar ainda mais o ritmo de alta dos juros para controlar a inflação? O Fed já deixou claro que o ritmo que faz sentido para ele é dessa ordem de 0,75 ponto percentual. A dúvida é quantas vezes ele vai repetir o aumento de 0,75 ponto. Na nossa visão, seria alguma coisa na faixa de até 4%. Esses 4% pressupõem que a inflação vai dar ainda mais um pouco de trabalho, mas vai ceder. E que o Fed vai conseguir levar o juro para 4% e que a economia vai desacelerar, mas não vai gerar uma recessão ou uma desaceleração mais violenta.

Só que essa premissa está em discussão e está em cheque hoje em dia. Se o Fed vai precisar levar para mais do que 4%, e se, em última instância, não vai conseguir evitar uma queda mais forte da atividade ou uma recessão. Diria que essa é a grande mudança que tivemos no cenário nos últimos meses. Se tivéssemos conversado há três meses, a aposta ainda era muito clara que ele não ia precisar puxar tanto os juros e que a economia ainda iria ficar em um patamar mais sólido. Mas agora está bem menos claro se ele vai conseguir esse objetivo.

Se pegarmos o Fed ao longo dos últimos 10, 15 anos, ele sempre acabava terminando o movimento de alta de juros antes do que se esperava, e em um patamar mais baixo do que se esperava, porque a preocupação com a inflação não era tão acentuada, e qualquer ameaça de jogar a economia em uma recessão mais forte acabava tendo prioridade. Agora, me parece que, como a inflação está dando sinais de muita resiliência, e, ao mesmo tempo, a gente vem de uma trajetória de recuperação de atividade muito forte, de desemprego muito baixo nos Estados Unidos, acho que a preferência do Fed vai ser por ser mais cauteloso e derrubar a inflação, mesmo que isso gere um pouco mais de dor do lado de atividade.

O risco de uma recessão da economia dos Estados Unidos, portanto, cresceu consideravelmente nos últimos meses? Sem dúvida o risco é maior, o que não conseguimos dizer é se esse já é o cenário mais provável. Parece que hoje ele está com uma probabilidade equilibrada com um cenário de não recessão. Mas, se olhássemos três meses atrás, certamente o cenário de não recessão tinha uma probabilidade muito mais alta que o de recessão. O risco de recessão subiu e subiu bastante. Ainda resta essa dúvida se o Fed vai precisar apertar o suficiente para levar a economia para uma recessão, mas, a essa altura, parece bastante possível.

Vimos no primeiro semestre a maior queda da Bolsa americana nos últimos 50 anos. Para o segundo semestre, essa dinâmica pode se repetir? Acho que não é provável que tenhamos uma queda do tamanho que tivemos, até porque foi a maior em muitas décadas. Por outro lado, na nossa cabeça, o que o mercado precificou nos Estados Unidos nesse primeiro semestre foi um patamar de taxa de juros mais alto, mas ainda não foi precificada uma queda mais acentuada dos resultados das empresas e nem de uma recessão. Então, por mais que a gente já tenha precificado bastante coisa ruim, nossa visão é que ainda tem um pouco mais de coisa ruim pela frente, que o segundo semestre ainda tende a ser relativamente difícil para a Bolsa no exterior.

Quais impactos uma recessão nos Estados Unidos pode trazer para o Brasil? É diferente para o Brasil estarmos passando por um cenário desafiador do ponto de vista político, fiscal, e estar com o global ajudando, versus o cenário que enxergamos para frente, que é um cenário onde não tem muita coisa ajudando lá fora. Deveria existir um pouco mais de cautela na condução da política econômica aqui, e, não tendo essa cautela, os mercados tendem a continuar em uma trajetória cautelosa.


Raio-X | Mario Felisberto, 48

Mario Felisberto juntou-se ao time de investimentos da Santander Asset Management em setembro de 2019. Ele possui 25 anos de experiência no mercado financeiro, com passagens pelo Banco CCF Brasil, HSBC Brasil (2002-2013), onde desempenhou a função de diretor de investimentos para América Latina, Advis Investimentos (2013-2016) e Canvas Capital (2016-2019). Mario é graduado em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI-USP), e possui MBA pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), além de ser detentor do certificado CFA.

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