Ondas de choque atingem a economia global, com grave risco para a Europa
Efeitos da Guerra da Ucrânia ameaçam poder industrial e padrões de vida europeus
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A invasão da Ucrânia pela Rússia e os efeitos continuados da pandemia prejudicaram países em todo o mundo, mas a série de crises atingiu mais duramente a Europa, causando o salto mais acentuado nos preços da energia, uma das taxas de inflação mais altas e o maior risco de recessão.
As consequências da guerra ameaçam o continente com o que poderá ser sua crise econômica e financeira mais desafiadora em décadas, como temem alguns.
Neil Shearing, economista-chefe do grupo Capital Economics, diz que, embora o crescimento esteja desacelerando em todo o mundo, na Europa é mais sério devido a uma deterioração mais fundamental. Segundo ele, a renda real e os padrões de vida estão em queda, com UE e Grã-Bretanha na pior situação.
Vários países, incluindo a Alemanha, maior economia da região, vivem há décadas em dependência da energia russa. O aumento de oito vezes nos preços do gás natural desde o início da guerra representa uma ameaça histórica ao poderio industrial europeu, aos padrões de vida, à paz e à coesão social. Planos para fechamento de fábricas, apagões e racionamento estão sendo elaborados em caso de escassez neste inverno.
Ian Goldin, professor de globalização e desenvolvimento da Universidade de Oxford, afirma que o risco de queda nos rendimentos, o aumento da desigualdade e as tensões sociais crescentes podem levar a um mundo fraturado. "Não enfrentamos nada assim desde a década de 1970, e não vai acabar tão cedo, diz.
A pressão também afeta outras regiões do mundo, mas algumas das causas –e das perspectivas– são diferentes. Nos EUA, taxas de juros mais altas para conter a inflação reduzem os gastos do consumidor e o crescimento do país, mas o mercado de trabalho continua forte e a economia está avançando.
A China também enfrenta seus próprios problemas. A política de congelar todas as atividades durante os surtos de Covid-19 paralisou grandes áreas da economia e aumentou as interrupções da cadeia de suprimentos em todo o mundo. Somente nas últimas semanas, dezenas de cidades e mais de 300 milhões de pessoas estiveram sob bloqueios totais ou parciais. O calor extremo e a seca ainda prejudicaram a geração de energia, forçando mais fechamentos de fábricas.
O mercado imobiliário conturbado aumentou a instabilidade econômica chinesa. Centenas de milhares de pessoas estão se recusando a pagar suas hipotecas porque perderam a confiança de que os desenvolvedores entregarão suas casas. O comércio também sofreu um golpe em agosto, e o crescimento econômico deve ter seu ritmo mais lento em uma década este ano –embora provavelmente supere as taxas dos EUA e da Europa.
Já os países que são capazes de fornecer materiais e bens vitais –principalmente produtores de energia no Oriente Médio e norte da África– estão se saindo bem. Índia e Indonésia crescem em ritmos inesperadamente rápidos à medida que a demanda doméstica aumenta e empresas multinacionais procuram diversificar suas cadeias de suprimentos. O Vietnã também está se beneficiando com indústrias transferindo operações para seu território.
De toda forma, China, EUA e a zona do euro respondem juntos por cerca de dois terços da atividade econômica do planeta, e se todas essas potências desacelerarem será difícil para qualquer país permanecer imune às consequências. Pessoas mais pobres, que gastam maior parte da renda em alimentos e energia, são as mais atingidas.
Na Europa, a ansiedade com o aquecimento das casas, com o fechamento de linhas de produção fechadas e com as contas de energia aumentou nesta semana depois que a Gazprom, empresa estatal de energia da Rússia, declarou que não retomará a distribuição de gás natural até que a Europa suspenda as sanções relacionadas à invasão da Ucrânia.
A Comissão Europeia está pedindo um teto para os preços do gás no atacado e uma revisão dos valores da eletricidade, que atingiram níveis recordes. Nos últimos dias Alemanha, Suécia, França e Grã-Bretanha anunciaram programas bilionário de ajuda para aliviar a pressão sobre as famílias e as empresas, juntamente com planos de racionamento e conservação.
O custo de todas essas medidas seria enorme, num momento em que os níveis de dívida dos governos já são impressionantes. A preocupação com a dívida alta levou o FMI (Fundo Monetário Internacional) a emitir nesta semana uma proposta para reformar a estrutura da UE para gastos e déficits públicos.
Ainda assim, uma realidade impiedosa e inflexível permanece: a escassez de energia que os países possam pagar. A preços atuais, simplesmente não há o suficiente para produzir aço, madeira, microchips, plástico e outros insumos usados para fazer comida, absorventes íntimos, bicicletas, fórmula para bebês e muito mais que os consumidores desejam.
Espera-se que os bancos centrais do Ocidente continuem aumentando as taxas de juros para tornar os empréstimos mais caros e forçar a queda da inflação. Nesta quinta (8), o Banco Central Europeu elevou as taxas de juros em 0,75 ponto, igualando seu maior aumento da história. O Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) deve faz o mesmo neste mês.
O temor é que o impulso vigoroso para derrubar os preços mergulhe as economias em recessão. As taxas de juros mais altas por si só não reduzirão o preço do petróleo e do gás –a menos que causem um colapso das economias para que a demanda seja severamente reduzida. Muitos analistas já preveem uma recessão na Alemanha, na Itália e no resto da zona do euro antes do final do ano. Para os países pobres e emergentes, taxas de juros mais altas significam mais dívidas e menos dinheiro para gastar com os mais vulneráveis.
"Acho que estamos vivendo o maior desastre de desenvolvimento da história, com mais pessoas sendo empurradas mais rapidamente para a extrema pobreza do que nunca", disse Goldin. "É um momento particularmente perigoso para a economia mundial."
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves
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