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Desemprego e pobreza já preocupam mais que inflação na Argentina

Alta de preços em junho foi de 4,6%, um pouco acima do mês anterior, enquanto mercado de trabalho perdeu vagas

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São Paulo

Trabalhador da construção, o argentino Elio Cabelier, 31, está preocupado. "Sempre ganhei a vida fazendo casas, piscinas, trabalhando como pedreiro registrado. Mas a situação agora é pior que no ano passado. Os salários não chegam ao fim do mês."

Nascido na cidade de Gualeguaychú (Entre Ríos), Cabelier hoje mora no norte da Grande Buenos Aires. Na família, três de seus irmãos mais velhos também buscam trabalho. Com o setor em crise —as obras públicas foram interrompidas pelo governo do presidente Javier Milei e o mercado imobiliário está travado pela recessão econômica—, ele não descarta se mudar para o Brasil.

"A esperança é a última que morre, mas é preciso encontrar uma forma de fomentar o trabalho e ajustar o país. A Argentina é rica em tudo, é uma pena que esteja assim", resume.

A busca por emprego é um problema crescente no país vizinho, enquanto a inflação deixa de ser a maior preocupação. É o que mostra um levantamento, feito de 5 a 9 de junho, pela consultoria Opina Argentina.

Pela primeira vez, o desemprego, com 37%, apareceu como o principal motivo de preocupação para 2.591 entrevistados pela internet, que foram questionados sobre qual seria o maior problema que o governo Milei deveria solucionar.

"No último mês, a percepção desse problema subiu oito pontos percentuais, relegando a inflação ao segundo lugar, com 29%. Quanto maior a idade, maior é a preocupação com o desemprego", concluiu a consultoria.

No levantamento de maio, as duas respostas apareceram empatadas, com 29%. A inflação liderava a lista de preocupações desde setembro de 2023.

O medo de perder o emprego (54%) permaneceu estável no último mês. Este sentimento é de 27% entre os menores de 29 anos, mas de 57% entre aqueles com mais de 55 anos.

Desempregados montam barracas em frente à Casa Rosada - Reuters

Na sexta-feira (12), o Indec (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos) divulgou que a inflação mensal de junho foi de 4,6%, mostrando uma leve aceleração ante o mês anterior (4,2%). No ano, o IPC (Índice de Preços ao Consumidor) é de 271,5%.

Há duas semanas, o instituto divulgou que a taxa de desemprego chegou a 7,7% no primeiro trimestre, ante 5,7% no fim do ano passado —a maior para o primeiro trimestre desde o fim da pandemia. Isso significa aproximadamente 300 mil novas pessoas sem trabalho desde o trimestre anterior.

"Não chega a ser ainda um desemprego dramático, de 14%, 15%, mas as pessoas estão prestando atenção ao que vai acontecer no futuro", avalia o economista Fábio Giambiagi, pesquisador associado do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas).

Nesse cenário, diz ele, é natural que as pesquisas comecem a identificar um receio das pessoas em relação ao mercado de trabalho. "Em partes, o problema não é tanto o desemprego em si, mas a precariedade do emprego."

Com a posse de Milei, em dezembro de 2023, teve início um programa de choque na economia, com corte de gastos e de subsídios, demissões no Estado e congelamento de aposentadorias.

O PIB (Produto Interno Bruto) do país caiu 2,6% no primeiro trimestre, em relação ao quarto trimestre de 2023, e acumulou dois trimestres seguidos de baixa (em valores ajustados sazonalmente). Em relação ao mesmo trimestre do ano passado, o PIB de janeiro a março caiu 5,1%.

A recessão atingiu os consumidores com força e prejudica as vendas do comércio, enquanto os cortes de gastos de Milei paralisaram projetos estatais de infraestrutura e provocaram grandes perdas de postos de trabalho em diferentes setores.

A queda do consumo afeta fortemente as pequenas e médias empresas do país, que são fonte de 70% dos postos de trabalho, segundo entidade que as representa.

De acordo com Daniel Rosato, presidente da IPA (Associação Argentina das PMEs Industriais), o setor atravessa uma situação difícil em decorrência das políticas implementadas pelo governo.

Um estudo elaborado pelos economistas Fernando Bercovich e Martín Kalos indica que a contração da atividade econômica segue acelerando após seis meses consecutivos de queda, o que impacta nas PME industriais.

"Elas primeiro abriram mão de suas margens de lucro, depois anteciparam férias, cortaram horas extras e suspenderam trabalhadores, e agora estão em processo de aceleração de demissões", segundo o texto.

O relatório indica que para muitas dessas empresas o próximo passo é iniciar o processo de fechamento. "É muito difícil recuperar o emprego quando as empresas são destruídas, mesmo que a economia volte a crescer."


Entre os grandes empresários, uma crítica recente custou a Teddy Karagozian, do setor têxtil, o posto de conselheiro do presidente. Em uma entrevista na TV, ele disse que o mercado não vê com bons olhos as medidas econômicas do governo.

Ele disse que as medidas tomadas pelo ministro da Economia, Luis Caputo, são financeiras e que "o desemprego no setor privado é notório".

Milei, por sua vez, tem argumentado que o país precisa colocar as finanças em ordem após anos de déficits fiscais que levaram a calotes regulares da dívida soberana e feriram a reputação do país com investidores globais.

Desde que assumiu o poder, ele tem estimulado os mercados com um foco firme no superávit fiscal, o que, por enquanto, conseguiu produzir. Mas analistas apontam que os resultados foram garantidos com a "paz dos cemitérios" de uma economia atingida, com o crescimento da pobreza e da falta de moradia.

Um estudo recente realizado pela Universidade Católica Argentina concluiu, a partir de dados do Indec, que a pobreza atingia 55% da população e a indigência, 18% no primeiro trimestre.

Outro levantamento, da consultoria Trespuntozero, perguntou a 1.140 argentinos, de 24 a 26 de junho, qual era o principal problema atualmente: 30,5% apontaram a pobreza e 26,8% a inflação.

O governo argentino tem rebatido os dados de aumento da pobreza. A um jornalista, Milei chegou a dizer que, se tantas pessoas não chegassem ao fim do mês —por estarem desempregadas ou não ganharem o bastante para a sobrevivência—, haveria um grande número de mortos nas ruas.

No fim do mês passado, o presidente associou a pobreza ao pensamento socialista. "Quando alguém deixa de ser pobre, o socialismo perde um cliente", disse ele, ao participar da CPAC Brasil, em Balneário Camboriú (SC).

Com Reuters

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