Reino Unido se impõe crise existencial com o 'brexit'
Saída da União Europeia é dano inteiramente voluntário e pode significar o fim do país
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A primeira-ministra britânica, Theresa May, pode estar vivendo seus últimos dias no cargo. A retirada do Reino Unido da União Europeia, o “brexit”, seria uma missão tecnicamente complexa e de grande dificuldade prática para um governo com maioria sólida no Parlamento.
Para um governo liderado por um partido minoritário, o desafio se multiplica várias vezes. Recapitulemos: o Partido Conservador tem 316 das 650 cadeiras na Câmara dos Comuns, e uma minoria ainda maior nos Lordes. Para se garantir, o governo depende de uma coalizão com o Partido Democrátio Unionista, da Irlanda do Norte, de ultradireita.
Dentro do Partido Conservador, as divisões se aprofundam a cada dia. O Grupo de Pesquisas sobre a Europa, radicalmente pró-“brexit”, tem em torno de 60 membros. O grupo pró-UE é menor, mas tem grande influência nos Lordes. Estima-se que mais de dois terços do Parlamento é contra o “brexit” mas, em sua maioria, esse grupo é desorganizado e evita desafiar abertamente o plebiscito de junho de 2016.
Eles receiam que qualquer tentativa de bloquear a saída da UE no Parlamento ou através de um segundo plebiscito seria percebida como uma manobra antidemocrática que poderia deslegitimar a política, estimular o crescimento da ultradireita racista e, possivelmente, levara o Partido Conservador ao colapso.
O Partido Trabalhista, com 258 cadeiras, também está dividido mas, estando em oposição, o partido evita se posicionar sobre o “brexit”. No governo, Jeremy Corbyn não teria esse grau de liberdade. Seu partido não demonstra pressa, apesar da urgência política do momento.
Entretanto, admitir o “brexit” implica aceitar a inevitabilidade do dano econômico e político desse gesto de automutilação nacional. O processo de retirada custará em torno de 3 bilhões de libras (R$ 14 bilhões) nos próximos dois anos.
Além disso, há o custo econômico: estima-se que a economia britânica já perdeu 23 bilhões de libras (R$ 113 bilhões) com o “brexit”, e o medidor continua correndo à taxa de 440 milhões de libras (R$ 2,1 bilhões) por semana.
Isso sem contar com a especulação de que várias empresas estão revisando seus planos de investimento (Jaguar-Land Rover, Nissan, Siemens), cogitando deixar o país (Airbus), ou transferindo suas atividades para outros centros (bancos e fundos de investimento).
São consequências severas para um país que já padece de uma aguda desindustrialização e uma dependência excessiva das finanças —justamente o setor que tem a maior facilidade de se mudar para outros centros europeus.
As tribulações de Theresa May estão gerando um impasse político com graves consequências para o Partido Conservador e para o país.
O partido já rachou uma vez, em meados do século 19, devido à divisão entre os apoiadores do livre comércio (o qual permitiria a redução do custo dos grãos importados e a redução dos salários) e os protecionistas aliados dos latifundiários locais.
Esse trauma persiste, e o compromisso maior de May é com a unidade partidária: divididos, e com um sistema de voto distrital rígido, os conservadores poderiam perder o poder por várias gerações. Apesar desse enorme risco, a unidade partidária torna-se a cada dia mais insustentável.
A unidade nacional torna-se similarmente insustentável. Londres e várias grandes cidades votaram pela UE, assim como a Escócia e a Irlanda do Norte.
As menores cidades, as áreas costeiras dependentes da pesca e as regiões pós-industriais do norte da Inglaterra votaram pela saída.
Desde então, essas divisões apenas se aprofundaram. A desintegração do governo May está tragicamente associada com a divisão do Partido Conservador, a fratura geográfica e, possivelmente, política do país, e com uma catástrofe econômica sem precedentes no Ocidente.
Dois anos depois do plebiscito do “brexit”, o Reino Unido confronta a sua maior crise existencial desde 1941. Entretanto, enquanto a guerra foi uma imposição, o “brexit” é um dano inteiramente voluntário.
Alfredo Saad Filho é professor titular de economia e desenvolvimento na Universidade de Londres
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