Siga a folha

Em Burkina Fasso, quem critica o Exército pode ser obrigado a se alistar

Junta que governa o país tem sido acusada de recrutar opositores do regime à força

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Dakar | The New York Times

Em uma sexta-feira no início deste mês, assim que o doutor Daouda Diallo saiu do posto de passaportes na capital de Burkina Fasso, nação da África Ocidental, quatro homens o detiveram na rua, o jogaram em um veículo e sumiram.

Diallo, um farmacêutico que se transformou em ativista de direitos humanos e que havia recebido recentemente um prêmio por esse trabalho, não foi mais visto desde aquele dia, 1º de dezembro.

Um bairro de Ouagadougou, em Burkina Fasso, no início de 2022 - Malin Fezehai/The New York Times

Mas, quatro dias depois, uma foto de Diallo, 41, usando um capacete e segurando um rifle Kalashnikov, foi postada nas redes sociais, confirmando os temores de sua família e colegas de que ele havia sido forçadamente recrutado para o Exército. Diallo e outras 12 pessoas ativas na vida pública foram notificadas pelas forças de segurança em novembro de que em breve seriam convocadas para ajudar o governo a garantir a segurança do país, de acordo com grupos de direitos internacionais e locais.

Então, na véspera de Natal, dois homens vestindos como civis tocaram a campainha de Ablassé Ouedraogo, ex-ministro das Relações Exteriores e líder da oposição. Ele foi levado e seu paradeiro permanece desconhecido, de acordo com o Faso Autrement, seu partido político.

Burkina Fasso, uma nação anteriormente estável com 20 milhões de habitantes, foi dilacerada nos últimos oito anos pela violência de grupos extremistas vinculados à Al Qaeda e ao grupo Estado Islâmico.

No caos que se seguiu, o país passou por dois golpes em apenas dez meses, sendo o segundo no ano passado por uma junta militar prometendo conter grupos militantes por quaisquer meios.

Diallo e Ouedraogo estão entre pelo menos 15 pessoas que recentemente desapareceram ou foram recrutadas à força, de acordo com grupos de direitos humanos e advogados. A lista inclui jornalistas, ativistas, um anestesista e um imã, todos que criticaram a junta por sua incapacidade de derrotar os insurgentes e por abusos contra a população que deveria proteger.

O governo militar, liderado pelo capitão Ibrahim Traoré, 35, não cumpriu a promessa de restaurar a estabilidade. A violência aumentou sob seu comando, de acordo com diplomatas, agentes humanitários e analistas. Burkina Fasso se tornou um foco da crise na região do Sahel, uma vasta área ao sul do Saara que tem sido abalada por levantes extremistas e golpes militares.

Aproximadamente metade do território do país agora está fora do controle do governo. Quase cinco milhões de pessoas precisam de assistência humanitária, de acordo com as Nações Unidas e agências de ajuda, e mais de dois milhões perderam suas casas e pertences. Grupos de ajuda locais e internacionais acusaram tanto os extremistas quanto as forças afiliadas ao governo de massacrar civis.

"Burkina Fasso é o epicentro dos desafios de segurança na África Ocidental", disse Emanuela del Re, representante especial da União Europeia para o Sahel. "A situação é desesperadora, e a população está pagando o preço".

Burkina Fasso, uma ex-colônia francesa, por muito tempo dependeu do apoio das tropas francesas para combater insurgentes. Mas após o golpe do ano passado, Traoré prometeu cortar todos os laços com a França, vista como uma potência neocolonial que falhou em conter extremistas. Centenas de tropas francesas se retiraram do país neste ano, e o governo buscou estabelecer uma aliança com a Rússia, levando a especulações de que o grupo Wagner, apoiado pelo Kremlin, poderia começar a operar no país.

Diante da falta de recursos, o governo fez um apelo amplo para que civis se voluntariem para atuar nas forças de defesa, prometendo a eles uma ajuda financeira e duas semanas de treinamento militar. Também anunciou uma lei de "mobilização geral" de emergência, que deu ao presidente amplos poderes, incluindo o recrutamento de pessoas, a requisição de bens e a restrição das liberdades civis.

"A junta militar de Burkina Fasso está usando sua lei de emergência, que lhes dá a possibilidade de recrutar e reposicionar pessoas e bens, para silenciar e até punir seus críticos", disse Ilaria Allegrozzi, pesquisadora sobre Sahel na Human Rights Watch. "Essa prática viola os direitos humanos fundamentais."

O governo de Burkina Fasso não respondeu aos pedidos de entrevista e se recusou a comentar a prática do recrutamento forçado.

O Departamento de Estado dos EUA disse em um comunicado em 12 de dezembro que estava preocupado com as ações recentes do governo de Burkina Fasso, "como o crescente uso de recrutamento forçado direcionado, a redução do espaço cívico e restrições aos partidos políticos".

"Essas ações têm o efeito cumulativo de silenciar indivíduos que estão trabalhando em nome de seu país para promover a governança democrática", diz o documento.

Embora o decreto de emergência permita ao governo recrutar civis maiores de 18 anos, grupos de direitos disseram que a lei viola os direitos humanos fundamentais.

Três pessoas que receberam avisos de convocação ao mesmo tempo que Diallo processaram o governo. No início de dezembro, um tribunal na capital, Ouagadougou, decidiu a favor deles. Apesar da decisão, todos os três —dois ativistas de direitos, Rasmané Zinaba e Bassirou Badjo, e Issaka Lingani, um jornalista— permanecem escondidos, temendo por suas vidas.

"Vimos essa situação chegando para Daouda", disse Binta Sidibe-Gascon, presidente do Observatoire Kisal, um grupo de direitos originário de Burkina Fasso, mas agora baseado em Paris. "Nós dissemos a ele: Não é seguro para você ficar no país. Mas ele disse que as pessoas precisavam dele lá."

No início deste ano, Arouna Louré, um anestesista de Ouagadougou, foi convocado e enviado para trabalhar como médico do Exército em uma das áreas mais perigosas do país depois de criticar em uma postagem no Facebook a resposta do Exército a um ataque extremista.

"Isso não é apenas ilegal, mas também é cruel", disse Allegrozzi, da Human Rights Watch. "É como: Você criticou o Exército. Agora você vai ver por si mesmo como é ser um soldado."

Muitas pessoas, exaustas com o ciclo interminável de violência, receberam bem a promessa de segurança de Traoré. As ruas de Ouagadougou foram decoradas com bandeiras russas. Faixas exibiam fotos de soldados e mensagens patrióticas. Rotatórias estão sendo vigiadas por milícias não oficiais, chamadas de "Irissi, irissi", ou russo em moore, a língua local do principal grupo étnico, seguindo rumores de que estão sendo pagas pela Rússia.

Cinquenta mil pessoas atenderam ao apelo do governo para se voluntariar para o Exército, que paga uma ajuda de custo mensal de cerca de US$ 107 (cerca de R$ 519), valor acima do salário mínimo e altamente desejável em um país em que a renda regular é rara. Alguns disseram que também estavam ansiosos para contribuir com o esforço de guerra.

Mas aqueles que criticam a estratégia totalmente militar do governo se recusam a ser silenciados. Louré, o anestesista, foi dispensado do serviço e retornou para casa na semana passada após três meses em campos militares e na linha de frente. A experiência apenas fortaleceu sua visão de que depender apenas do Exército para combater os insurgentes é a pior opção.

"Quanto mais o Estado perpetua a violência, mais as pessoas vão ficar frustradas e podem querer se juntar aos grupos terroristas", disse ele.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas