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Migrantes venezuelanos se tornam arma política para ditadura e oposição

Apesar de diáspora de 7,7 milhões de pessoas, apenas 69 mil eleitores no exterior estão registrados para votar; no Brasil, são pouco mais de 1.000

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Caracas

Antigo destino de refugiados políticos da América Latina nos anos de ditadura militar na região, a Venezuela se tornou na última década origem de uma das maiores diásporas do mundo. Nas eleições deste domingo (28), os milhões de imigrantes venezuelanos se tornaram arma política —da ditadura e também da oposição.

Imigrantes da Venezuela aguardam em Cidade Hidalgo para serem liberados por agentes migratórios do México após chegarem ao país cruzando a fronteira com a Guatemala - Reuters

Estimada em 7,7 milhões de pessoas, a comunidade de venezuelanos no exterior praticamente não irá às urnas. Há somente 69 mil registrados para votar, segundo levantamento da organização Votoscopio com base em dados eleitorais. É uma média de 1 eleitor para cada 110 imigrantes.

No Brasil, o terceiro principal destino dos venezuelanos na América Latina, atrás de Colômbia e Peru, há ao menos 560 mil migrantes do país vizinho. Só 1.026 estão registrados para votar, no entanto.

A dificuldade começa pela restrita representação diplomática venezuelana no Brasil, uma herança do rompimento temporário das relações bilaterais da época em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ditador Nicolás Maduro coincidiram no poder. Com o início do governo Lula 3, os laços foram retomados, mas ainda hoje apenas a embaixada venezuelana em Brasília está aberta. Os consulados, não.

Diversos venezuelanos que vivem no Brasil relataram à reportagem que ansiavam por participar das eleições presidenciais, mas nem sequer tentaram se registrar. A dificuldade de acessar o serviço consular é um dos fatores na ponta desse movimento, e muitos dizem que o sistema eleitoral de seu país praticamente os dissuade de votar.

A lei eleitoral prevê o direito de participar do pleito presidencial a todos os seus nacionais que vivem no exterior com residência regularizada ou qualquer outro tipo de visto que legalize sua situação migratória.

Na prática, a regra usada neste ano foi mais rígida. Os únicos que puderam se registrar no exterior foram aqueles com visto de residência e um passaporte vigente, uma condição pouco ou nada comum para essa diáspora, que emigrou às pressas no ápice da crise econômica venezuelana, na maioria das vezes sem documentos.

No decorrer dos últimos anos e com o agravamento local da situação humanitária, muitos países criaram regimes excepcionais para facilitar a recepção a imigrantes da Venezuela, como o Brasil, que agilizou o reconhecimento deles como refugiados. É depois disso que pedem seu visto de residência.

Organizações como a Alerta Venezuela, que estudam a diáspora, dizem que Caracas violou suas próprias normas e excluiu da democracia eleitoral milhões de pessoas. Para Ligia Bolivar, coordenadora da Alerta, ocorreu uma "fraude eleitoral massiva" na medida em que milhões de venezuelanos foram privados de seu direito ao voto.

Dos 69 mil inscritos no exterior para votar, apenas 6.500 se registraram neste ano, ou porque só agora chegaram à idade de votar ou porque conseguiram mudar seu centro de votação da Venezuela para o país no qual agora residem. Todos os demais eram eleitores inscritos no exterior desde 2012.

Essas cifras são ínfimas perto do que a organização independente Votoscopio calculava. Segundo seu diretor, Eugénio Martínez, estima-se que ao menos 1,5 milhão de venezuelanos no exterior sejam novos eleitores e que outros 4,5 milhões deviam ter mudado seu centro de votação para poder ir às urnas fora do país.

Ainda assim, apenas um mês antes das eleições, em junho, Nicolás Maduro anunciou a criação de um Vice-Ministério de Atendimento para a Migração Venezuelana. Em suas palavras, um esforço para ajudar os migrantes a regressaram à nação caribenha.

Em tom semelhante, ainda que em espectro político oposto, o antichavismo também tem capturado a diáspora como arma política no pleito presidencial.

A campanha representada pelo diplomata Edmundo González e liderada pela ex-deputada inabilitada María Corina Machado diz que sua vitória representará o retorno dos venezuelanos para casa. Recorrentemente, afirmam que milhões de mães se reunirão novamente com seus filhos e muitas com seus netos, a quem nem sequer chegaram a conhecer pois nasceram já no exterior.

González até o momento não apresentou um plano de governo e, questionado, afirmou que só o fará depois das eleições. A base para rascunhar seus projetos tem sido, então, o antigo plano de María Corina, de quando ainda se pensava que a vencedora das primárias opositoras seria a candidata.

No material, ela afirma que começaria um "apoio ativo para emigrantes e refugiados venezuelanos, com incentivos de regresso". Para isso, criaria a figura de um alto comissionado, alguém de sua confiança que chefiaria o tema e se reportaria diretamente à Presidência.

Seriam facilitadas regras burocráticas para os que quisessem retornar e se criaria uma política de proteção aos que estão no exterior, com o fortalecimento dos serviços diplomáticos, por exemplo.

A grande dúvida é como mobilizar de fato milhões que fizeram suas vidas no exterior e, mais, que muitas vezes vivem em países com moedas muito mais valorizadas do que o bolívar frente ao dólar.

As remessas que os emigrados enviam a suas famílias são vistas como uma peça fundamental para a retirada da Venezuela da derrocada econômica.

Um levantamento da Consultores 21, uma das empresas mais antigas e respeitadas de pesquisas no país, mostrou que no fim do ano passado ao menos 20% dos lares venezuelanos recebiam mensalmente remessas de parentes no exterior. A verba mensal girava em torno de US$ 79 (R$ 447). É mais de 20 vezes o valor oficial da pensão do seguro social no país (US$ 3,56).

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