Fronteira com a Colômbia vê fluxo menor de venezuelanos, mas tráfico e crime se expandem

Porta de entrada do país vizinho, Cúcuta superou auge da crise migratória; maior preocupação hoje é disputa entre facções

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Cúcuta (Colômbia)

Quando a Venezuela vive um momento instável, a situação costuma se refletir na extensa fronteira com a Colômbia, de mais de 2.300 km. A região mais movimentada é a que divide o departamento colombiano do Norte de Santander e o estado venezuelano de Táchira.

Entre as pontes que cruzam o raso rio Táchira está a Simón Bolívar, a mais famosa delas, por ser para pedestres. Antes, quando a Colômbia sofria mais com as guerrilhas e os cartéis do narcotráfico, o movimento maior era de colombianos que fugiam da violência. O chavismo inverteu esse fluxo, com a saída crescente de venezuelanos empobrecidos, muitos atravessando a pé pela Simón Bolívar. Hoje, há 2,8 milhões deles na Colômbia, o país que mais os abriga no mundo.

A imagem mostra um cruzamento de estrada com veículos em movimento, incluindo carros e uma motocicleta. Há pessoas caminhando ao lado da estrada e placas de sinalização visíveis ao fundo. O céu está claro com algumas nuvens e há vegetação ao redor.
Veículos e pedestres transitam na ponte Simón Bolívar, que liga a cidade colombiana de Cúcuta à venezuelana San Antonio del Táchira - Juan Bayona/Folhapress

"Vivi o suficiente para ver uma massa contínua de gente indo daqui para lá e depois para ver uma massa contínua de gente, de lá para cá", conta Afonso Canizales, 73, taxista venezuelano. Ele se dedica a ajudar mulheres mais velhas que chegam pela manhã de San Antonio del Táchira, na Venezuela, à colombiana Cúcuta. Elas fazem compras de alimentos e itens domésticos e, no fim do dia, retornam carregadas. Há gente levando colchões para a casa nova e estudantes uniformizados que vêm de San Antonio para as aulas em Cúcuta.

Dois estudantes em uniformes escolares caminham em uma estrada. Eles estão usando mochilas e passam ao lado de um painel amarelo, que contém um documento ou aviso, mas está parcialmente danificado. Ao fundo, há vegetação e uma paisagem montanhosa.
Estudantes venezuelanos atravessam a ponte Francisco de Paula Santander para irem ao colégio em Cúcuta, na Colômbia - Juan Bayona/Folhapress

A cidade que é porta de entrada da Colômbia não vive mais o auge da crise migratória, como em 2017, e o fluxo pela ponte não é mais intenso como naquela época. "É claro que lá eles têm mais dificuldades, e vendemos combustível, comida, roupas, mas nós também vamos muito para o outro lado, há coisas que lá são mais baratas", diz o comerciante colombiano de tecidos Abdala González, 54.

Hoje, a grande Cúcuta tem cerca de 1 milhão de pessoas, dos quais 218 mil são venezuelanos. A população que tem permissão para transitar livremente pela fronteira, porque vive numa cidade e estuda ou trabalha na outra, é de cerca de 80 mil.

A regularização do fluxo migratório avançou no mandato do ex-presidente colombiano Iván Duque (2018-2022). Direitista, ele não reconhecia a autoridade do ditador Nicolás Maduro, mas facilitou a documentação dos habitantes da fronteira. Também adotou um programa de acolhida e de entrega rápida de documentos aos venezuelanos que foi muito elogiado pelos que fugiam da crise chavista.

Um sinal de relativa normalização na região foi a reabertura da ponte de Tienditas. Em 2019, o então autoproclamado governo do líder opositor Juan Guaidó tentou usar a passagem para entrar com ajuda humanitária na Venezuela. A ditadura de Nicolás Maduro a bloqueou, colocando contêineres nas vias.

A imagem mostra uma estrada com contêineres de carga espalhados sobre ela. Os contêineres estão dispostos de forma desordenada, alguns caídos e outros em pé, criando um cenário de obstrução. A vegetação ao redor é visível, e a estrada parece estar em uma área rural ou semi-rural.
Contêineres colocados pelo regime de Nicolás Maduro na ponte Tienditas bloquearam entrada de ajuda humanitária vinda da Colômbia em 2019, quando os dois países viviam crise na relação - Juan Pablo Bayona/20.mar.19/AFP

Em anonimato, um policial de plantão na ponte diz que hoje a situação é tranquila, e a atenção dele se volta agora para as chamadas "trochas", trilhas clandestinas controladas por cartéis, paramilitares e facções criminosas dos dois países.

O agente se refere a um fluxo que corre paralelamente às pontes. Ex-integrantes de guerrilhas como as antigas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o ELN (Exército de Libertação Nacional) migraram para o narcotráfico e se juntaram a facções criminosas como o colombiano Clã do Golfo e o venezuelano Tren de Aragua. Esses grupos usam as trochas para traficar e contrabandear de tudo: cocaína, fentanil, drogas sintéticas e até bebidas alcoólicas e combustível.

A imagem mostra uma rua em um ambiente urbano, com veículos estacionados, incluindo um carro branco e motocicletas. Há sacos de lixo grandes e outros resíduos espalhados pelo chão. O cenário é cercado por construções de metal e madeira, e há uma árvore grande ao fundo sob um céu parcialmente nublado.
Carro passa por uma trocha, trilhas para a travessia clandestina entre Colômbia e Venezuela que margeiam o rio Táchira - Juan Bayona/Folhapress

Assassinatos nessas trilhas que margeiam o rio Táchira são comuns. No fim de junho, foram mortas oito pessoas; no início de julho, outras 13. A polícia atribui essas mortes a demarcação de territórios. Para cada ponte oficial há cerca de quatro ou cinco "trochas", e passar por elas demanda o pagamento de uma taxa ao grupo que a domina.

A Folha notou a presença do Tren de Aragua em Cúcuta de modo muito discreto. Enquanto entrevistava um comerciante de uma loja de óculos de sol, percebeu que seu aspecto relaxado ao fazer declarações políticas sobre as eleições da Venezuela foi mudando. Alguém na rua lhe fazia sinais e apontava para cima, para o segundo andar do empreendimento.

A imagem mostra um grupo de pessoas caminhando em uma rua. À esquerda, uma criança pequena caminha ao lado de um adulto, que carrega uma mochila grande. No centro, duas pessoas estão caminhando, uma delas com uma mala. À direita, um homem usa um boné e carrega uma mochila. Ao fundo, há táxis amarelos estacionados e um edifício com janelas. O céu está claro e há algumas árvores na cena.
Pessoas circulam em praça de Cúcuta; no segundo andar do prédio ao fundo ficam posicionados membros do grupo criminoso Tren de Aragua para vigiar a região e extorquir dinheiro de taxistas e comerciantes locais - Juan Bayona/Folhapress

Depois, outro comerciante, que corta e compra cabelo de venezuelanas, afirmou que "eles" ficam nas sobrelojas e vigiam tudo. De acordo com o lojista, não há um táxi, um comércio, um camelô que não pague a taxa ao Tren. Se não paga, é expulso, a tiros se preciso. Vários outros vendedores preferem não falar com jornalistas, fazendo o mesmo sinal, o dedo para cima indicando vigilância.

Kenny Sanguino Cuéllar, pesquisador de temas de segurança da Universidad Libre de Cúcuta, prevê uma piora na região se os governos da Colômbia e da Venezuela não atuarem de modo conjunto. "O Clã do Golfo não quer mais saber do Tren de Aragua aqui e está armando uma ofensiva. É uma guerra cantada. E Maduro e [Gustavo] Petro [presidente colombiano] sabem disso", afirma.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.