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Regime de Cuba evita repressão para não se desgastar mais, diz analista

Para Emily Morris, pesquisadora sênior do Instituto das Américas da University College London, emigração serve de 'válvula de segurança' para descontentes saírem sem confronto

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Alexa Salomão Gabriela Antunes
São Paulo e Brasília


Pesquisadora sênior do Instituto das Américas da UCL (University College London), Emily Morris diz à Folha que a atual crise cubana, desencadeada pela recessão de 2021, tem minado a já pouca confiança da população no regime. Para ela, a emigração de mais de 1 milhão de pessoas no período é uma prova disso, mas também serve como uma "válvula de segurança" para os descontentes saírem sem confronto.

Segundo Morris, que foi economista do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e atua como consultora de países e empresas de economias da região do Caribe, a recuperação da ilha passa necessariamente por acesso ao financiamento externo. "Sem isso, o esforço para reduzir a inflação depende muito de austeridade fiscal, o que dificulta a melhora na oferta de bens e serviços." Leia a seguir:

A sra. tem dito que Cuba vive a pior crise em 30 anos. Como o país chegou a isso? Essa resposta precisa ser dada em partes. Primeiro, em 2020, quando a pandemia chegou ao Ocidente, a economia de Cuba já sofria com o endurecimento das sanções dos EUA. Desde que assumiu o cargo, em 2017, [Donald] Trump reverteu a maioria das medidas de [Barack] Obama, de modo que, em 2020, o fornecimento de combustível estava para ser interrompido e as empresas internacionais estavam sendo dissuadidas a não negociar ou investir em Cuba.

Apesar disso, a resposta do governo cubano [à pandemia] foi exemplar: As fronteiras foram fechadas, a propagação da doença foi monitorada de perto com visitas casa a casa por equipes de médicos. O Estado pagou salários aos que não podiam trabalhar e garantiu as necessidades básicas aos mais vulneráveis. Em novembro de 2020, Cuba tinha a menor taxa de mortes por Covid-19 nas Américas.

Pessoas aguardam para comprar pão em mercado de Havana - Reuters - 3.jul.24

Mas isso custou muito dinheiro. A ausência de receitas do turismo, enquanto o Estado assumiu os custos sociais, a prestação de serviços de saúde e um programa intensivo de pesquisa para encontrar uma vacina, tudo isso ampliou o déficit fiscal e esgotou as reservas cambiais.

Nos primeiros dias de janeiro de 2021, em fim de mandato, Trump adotou a sanção mais abrangente: a reinclusão de Cuba na lista dos EUA de patrocinadores estatais do terrorismo. O impacto desta vez foi maior, devido ao endurecimento das regras internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao terrorismo, juntamente com aprimoramento dos sistemas de detecção de instituições financeiras e autoridades americanas.

Contratos de importação foram rescindidos abruptamente. Muitas entregas, incluindo a de suprimentos essenciais, não chegaram, causando escassez e obrigando Cuba a pagar mais para conseguir os produtos. As reservas cambiais foram muito afetadas porque o país perdeu receitas de exportação dos clientes que temiam sanções dos EUA. O financiamento ficou escasso e caro. Planos de investimento foram cancelados.

Durante a campanha eleitoral, Biden indicou que a sua política seria igual a de Obama. Quando assumiu o cargo, não fez nada.

Uma ilustração vívida das restrições que a economia cubana enfrenta é a fraqueza da recuperação do turismo. Embora a indústria no resto do Caribe tenha recuperado para os níveis pré-Covid, os ingressos de turistas em Cuba permanecem apenas cerca de metade do seu nível anterior.

Foi um choque externo, então? Houve uma questão interna. Possivelmente presumindo que as sanções seriam aliviadas por Biden e sentindo que tinha lidado com sucesso com a Covid, no final de 2020, o governo cubano deu luz verde a uma reforma monetária há muito prometida e atrasada. No dia 1º de janeiro, o valor oficial do peso cubano passou de 1 para 1, no câmbio com o dólar, para US$ 1 valendo 24 pesos. Sabendo que a reforma envolveria grandes aumentos de preços, os salários do Estado foram elevados drasticamente, em cerca de quatro vezes, para proteger os padrões de vida.

Foi um duplo erro de cálculo. Primeiro, nem as sanções dos EUA nem a Covid cederam. Em segundo lugar, as autoridades não conseguiram prever a espiral inflacionária que a reforma poderia gerar em mercados não controlados pelo Estado.

Uma queda nos padrões de vida teria sido inevitável sem a reforma, devido à escassez e à pressão sobre os recursos cambiais e fiscais causados pelas sanções dos EUA e pela Covid. No entanto, por aumentar a espiral inflacionária, revelando o erro de cálculo do governo e a falta de um plano B, a reforma minou a confiança da população. Daí a eclosão de protestos em julho de 2021. Isto também contribuiu para o subsequente aumento da emigração.

Qual seria a melhor medida para tirar Cuba da crise? Acesso ao financiamento externo. Sem isso, o esforço para reduzir a inflação depende muito da austeridade fiscal, que dificulta a melhora na oferta de bens e serviços, bem como do investimento.

Este novo momento de dificuldade, na sua opinião, enfraquece o regime? Não dá para chamar de novo momento de dificuldade, porque as dificuldades já existem há algum tempo. Mas a falta de recuperação da profunda recessão de 2021 está certamente minando a confiança. O governo está claramente enfraquecido economicamente, e a emigração de mais de 1 milhão de pessoas é uma prova clara disso.

Contudo, a oposição continua fraca. Em parte porque a emigração representa uma "válvula de segurança" para os descontentes saírem, em vez de se oporem ao governo, e em parte porque o próprio governo não está —ao contrário da retórica dos seus oponentes— adotando uma maior repressão para preservar o seu poder. Em vez disso, tenta consultar a população e aumentar a participação. A ameaça vem mais da desilusão, do descomprometimento e do afastamento, e não do confronto.

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