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Erros da Igreja Católica levaram a avanço evangélico na Amazônia, diz bispo

Dom Wilmar Santim defende mudanças na estrutura da instituição para que ação pastoral não dependa só dos padres

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Cidade do Vaticano

O bispo dom Wilmar Santin, que atua na região de Itaituba (PA), na fronteira com os estados de Mato Grosso e do Amazonas, afirmou durante o Sínodo da Amazônia, no Vaticano, que erros da própria Igreja Católica levaram ao crescimento das igrejas evangélicas na região amazônica e que é preciso mudar a ação pastoral para reverter a situação.

"Percebo duas falhas nossas: não estamos conseguindo chegar a tempo em todos os lugares onde o povo está, porque tudo está muito centralizado na figura do padre", disse ele nesta quinta-feira (10), durante uma das entrevistas coletivas diárias do sínodo, reunião de religiosos dos nove países da região amazônica com o papa Francisco.

O bispo dom Wilmar Santin celebra missa em Itaituba, no Pará - Nelson Almeida - 8.set.19/AFP

Segundo dom Wilmar, as estratégias para manter, recuperar e atrair católicos na região envolvem mexer na própria forma como a igreja está organizada.

"Precisamos mudar um pouco a estrutura para que a igreja seja mais ágil, que vá mais para frente, não seja tão lenta nas decisões e não dependa só dos padres. Temos que mudar não para competir com os outros, mas para que a nossa missão seja cumprida com maior eficiência", disse.

A frase foi dita depois de dom Wilmar narrar uma conversa que teria ocorrido nas redondezas do garimpo Água Branca, no Pará, com um homem que tinha sido católico, com padres e uma freira na família, mas que, ao se mudar para o garimpo, tornou-se evangélico.

"Eu perguntei para ele o motivo, ele me respondeu: 'Quando eu cheguei aqui, não tinha Igreja Católica. Eu queria escutar a palavra de Deus, fui na Assembleia de Deus e estou lá até hoje'", relatou dom Wilmar. "Não estamos pregando como deveríamos, em todos os lugares. Tanto é que um católico teve que matar a sua fome de escutar a palavra de Deus numa igreja vizinha."

Iniciado nesta semana, o Sínodo da Amazônia foi convocado pelo papa Francisco há dois anos para debater a ação da Igreja Católica nos países do bioma, além da situação ambiental e dos moradores da região.

São 258 participantes, sendo 57 bispos brasileiros. A função da assembleia é produzir, até o dia 27 de outubro, um documento que servirá para o papa, meses depois, dar indicações ao clero e aos fiéis.

Reportagem da Folha mostrou nesta semana que, na região Norte do Brasil, o percentual daqueles que se declaram evangélicos já é de 46%, ante 45% de católicos, segundo pesquisa Datafolha de agosto. No país, os números são, respectivamente, de 32% e 51%, com maioria católica. 

Uma das razões para esse cenário é a carência de padres nas áreas de floresta, marcada pelas dificuldades de acesso e grandes distâncias.

É por isso que um dos assuntos mais discutidos durante o sínodo são as alternativas da igreja para se fazer mais presente. Entre elas, permitir padres casados, criar um ministério oficial para as mulheres e incorporar costumes indígenas aos ritos católicos.

Em Itaituba, dom Wilmar atua com a tribo munduruku em uma área de 175 mil quilômetros quadrados, segundo ele. Nos últimos anos, passou a intensificar a ação pastoral católica entre os índios, formando, entre eles, ministros da palavra, responsáveis por fazer pregações nas próprias comunidades.

"Iniciamos em 2017 e temos 48 ministros da palavra pregando na própria língua", afirmou. Segundo ele, são 39 homens e 9 mulheres, todos da tribo. 

O bispo também respondeu a uma jornalista italiana que perguntou sobre a existência do infanticídio nas tribos indígenas —foi a segunda vez que o tema foi mencionado por um jornalista europeu nesta semana, durante as entrevistas coletivas diárias organizadas pelo Vaticano.

Dom Wilmar afirmou que a prática de matar crianças que nasciam com alguma deficiência ou que tinham "mãe solteira" não existia mais entre os munduruku. E questionou: "E os abortos que se fazem por aqui, na civilização?".

ENTENDA O SÍNODO

O que é sínodo
O Sínodo dos Bispos é uma reunião episcopal de especialistas. Convocado e presidido pelo papa, discute temas gerais da Igreja Católica (como juventude, em 2018), extraordinários (considerados urgentes) e especiais (sobre uma região). Instituído em 1965, acontece neste ano pela 16ª vez.

Especial Amazônia
Anunciado em 2017 pelo papa Francisco, o Sínodo da Amazônia trata de assuntos comuns aos nove países do bioma, organizados em dois eixos: pastoral católica e ambiental. Depois de meses de escuta da população local, bispos e demais participantes se reúnem entre 6 e 27 de outubro, no Vaticano.
 
Para que serve
O sínodo é um mecanismo de consulta do papa. Os convocados têm a função de debater e de fornecer material para que ele dê diretrizes ao clero, expressas em um documento chamado exortação apostólica. As últimas duas exortações pós-sinodais foram publicadas cerca de cinco meses depois de cada assembleia.

Quem participa
O Sínodo da Amazônia reúne 185 padres sinodais (como são chamados os bispos participantes), sendo 57 brasileiros. Além dos bispos da região, há convidados de outros países e de congregações religiosas. Também participam líderes de outras comunidades cristãs, da população e especialistas —no total, há 35 mulheres. O papa costuma presidir todas as sessões.

Principais polêmicas
Este sínodo tem recebido críticas do governo brasileiro, incomodado com o viés ambiental e pressionado pela situação na Amazônia, e da ala conservadora da igreja, que vê como inapropriado o debate sobre a ordenação de homens casados como sacerdotes, a criação de ministérios oficiais para mulheres e a incorporação de costumes indígenas em rituais católicos.

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