'Suicídio altruísta' no 7 de setembro é tentativa de salvar fictícia força bolsonarista
Em situações ameaçadoras, grupos sob risco tendem a se unir para dar demonstrações de força, em puro instinto de sobrevivência
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Sete de Setembro de 2021. O brasileiro convive com crise hídrica, escalada inflacionária, taxas recordes de desemprego, gasolina nas alturas.
Na última pesquisa Genial/Quaest, o jeito Bolsonaro de governar é reprovado por 67% dos brasileiros, 48% avaliam sua gestão como ruim ou péssima, 68% acreditam que a economia do país piorou no último ano, 52% acham que a economia vai piorar ou permanecer ruim como está, 65% consideram que o país não vai ser capaz de controlar o aumento dos preços nos próximos meses.
Ainda assim, o presidente é capaz de levar às ruas um contingente significativo de seus fãs. Este cenário negativo não constrangeu essa minoria com preferências intensas de fazer barulho, e produzir ‘a’ foto capaz de criar dúvida na cabeça dos brasileiros: será mesmo que Bolsonaro está enfraquecido?
Dúvida, aliás, que foi a estratégia usada pela indústria do tabaco por 50 anos para evitar que o cigarro deixasse de ser consumido. Não era preciso provar que cigarro fazia bem, bastava levantar suspeitas sobre aquilo que se estava dizendo de negativo a respeito do cigarro para manter o consumo em alta.
Negacionismo, que é ferramenta de mobilização de nacional-populistas mundo afora.
Mas afinal, o que leva esse fã-clube às ruas, se os resultados do governo são tão ruins? Eles estão defendendo o que?
Primeiro, trata-se de um grupo ameaçado de perder seu status de poder. As últimas pesquisas de opinião mostram que as chances eleitorais de Bolsonaro caíram significativamente nos últimos meses.
Na última pesquisa Genial/Quaest, Bolsonaro oscila entre 25 e 26% das intenções de voto no primeiro turno, e perde ou empata para todos os concorrentes no segundo turno (a pesquisa foi realizada de 26 a 29 de agosto, com 2.000 entrevistas presenciais e domiciliares, com margem de erro de 2% —e 95% de confiabilidade).
Além disso, o governo tem dificuldade de fazer entregas concretas, e a economia está se tornando o principal problema na opinião dos brasileiros. Entre julho e setembro deste ano, passou de 12 para 27% o percentual de brasileiros que já acredita que o principal problema do país seja a economia.
Em situações ameaçadoras, os grupos sob risco tendem a se unir para dar demonstrações de força. Puro instinto de sobrevivência.
É como o conhecido efeito de ‘rally around the flag’ descrito por John Muller em 1970 a respeito da unidade nacional norte-americana observada quando ataques externos comprometem a segurança do país.
Os Bolsonaristas se organizaram com o objetivo de dar uma demonstração de força no dia 7, para encenar que juntos ainda são fortes. E ameaçar, claro!
Segundo, trata-se de um grupo exacerbadamente nacionalista, intolerante a minorias e que idolatra a autoridade e a ordem.
Na pesquisa Genial/Quaest de Agosto foi possível descrever o bolsonarismo como um grupo que acredita que falta patriotismo para o Brasil ser um país forte e desenvolvido; um grupo que se incomoda com demonstrações públicas de afeto entre gays/lésbicas e que não é favorável a cotas.
E mais, que prefere viver em comunidades mais homogêneas socialmente; que prefere criar seus filhos sob disciplina a deixá-los crescerem criativos. Indivíduos desse tipo são predispostos ao autoritarismo, são incapazes de questionar autoridade, preferem viver sob uma ordem explícita, sem autonomia.
A convocação do líder tem que ser atendida sem contestar, porque a obediência é o valor que justifica a vida. Pela honra e moral, pela autoridade estabelecida, o comando é seguido, independentemente das suas consequências.
Desde o dia 14 de agosto, o Messias vem mandando recados para os seus apoiadores que reagem: ‘Se Bolsonaro convocou, então, eu devo ir’! As manifestações são expressões da lealdade e obediência do fã-clube Bolsonarista.
Se ameaça de extinção e obediência são fatores que ajudam a explicar as motivações individuais dos manifestantes de hoje, é como se eles tivessem ido aos protestos para cometer, o que o sociólogo francês Émile Durkheim descreveu como um ‘suicídio altruísta’: um ato em que o indivíduo está tomado pela obediência e força coercitiva de um grupo social restrito ao qual pertence.
Gritar em apoio a Bolsonaro nessas circunstâncias é o mesmo que sacrificar sua vida por um causa. Não há racionalidade econômica ou egoísta, não há cálculo de custo e benefício.
Trata-se de um fenômeno de mobilização e engajamento a partir de sentimentos identitários. É uma ação simbólica necessária, já que a vida em outra realidade (ver a volta do PT ao poder, por exemplo) seria insuportável.
Bolsonaro ativou no seu fã-clube questões que mexem com o imaginário do grupo, que se sente leal a ele, e por isso segue suas ordens. É um fenômeno parecido ao que levou os camicases japoneses, leais ao Imperador, a jogarem as aeronaves que pilotavam sobre os inimigos na Segunda Guerra Mundial.
Ou que levou os fanáticos religiosos e extremistas políticos do Al-Qaeda, comprometidos com os ideais de seu grupo restrito, a lançarem duas aeronaves nas torres gêmeas do World Trade Center.
Sendo assim, ainda que as manifestações deste 7 de setembro tendam a se tornar um marco de mobilização de massas importante do governo Bolsonaro, seu significado histórico será traduzido pela frustração.
O movimento de hoje, como em um jogo de espelhos, constitui uma tentativa clara de salvar a fictícia força Bolsonarista e sua identidade grupal que está ameaçada pelo contexto amplamente desfavorável à reeleição de Bolsonaro.
Esse ‘suicídio altruísta’ deve surtir o efeito esperado?
Só o tempo dirá, mas me pareceu mais com o último suspiro de um movimento sob ameaça.
Essa tentativa desesperada de manter viva uma identidade grupal a partir da demonstração de força mostra que Bolsonaro tem base, mas não suficiente para esmagar o resto do país levando a uma virada autoritária.
Daqui para frente, esse resultado passa a depender da reação institucional dos outros poderes e da responsabilidade da nossa elite política e econômica. As alternativas estão apresentadas e as escolhas não são tão difíceis assim.
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